Descrição de chapéu Folhajus

Juíza de Osasco obriga réus a usarem uniforme da prisão em júri e abre brecha para nova anulação

Magistrada não apresentou Justificativa técnica pra vetar troca de roupas; para advogados, ação fere princípio da inocência

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São Paulo

O ex-PM Victor Cristilder dos Santos e o guarda municipal Sérgio Manhanhã, que conseguiram do Tribunal de Justiça de São Paulo o direito a novo julgamento pela suposta participação da chacina de 2015, foram impedidos pela Justiça de Osasco de acompanharem o novo júri com roupas levadas pela família, e, assim, obrigados a usarem o uniforme de presidiários.

Essa decisão, da juíza Vara do Tribunal do Júri de Osasco, Élia Kinosita, abre brecha para uma nova anulação do júri, segundo a opinião unânime de alguns dos principais advogados do país ouvidos pela Folha e, também, de decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) de 2019.

Élia foi quem presidiu os júris realizados em 2017 e 2018, quando os réus foram condenados, e, nas ocasiões, permitiu o uso de roupas civis por parte dos suspeitos. O TJ anulou as condenações em 2019 de Cristilder e Manhanhã, a mais de 100 anos cada uma delas, por considerar que as provas usadas para condená-los eram insuficientes e, assim, os dois podem ser inocentes, como alegam.

Procurada, por meio da assesoria do Tribunal de Justiça, a juíza Élia Kinosita disse que não pode comentar por força da Lei Orgânica da Magistratura.

Suspeitos de chacina julgamento
Suspeitos de chacina de Osasco participam de julgamento usando uniformes de presidiários, e um deles também aparece algemado, o que, para advogados, pode levar a nova anulação de júri - Divulgação

Para os advogados ouvidos pela reportagem, obrigar um preso a usar roupas de presidiário em seu julgamento, assim como obrigá-lo a usar algemas, pode levar os jurados a acreditarem se tratar de um criminoso de alta periculosidade e, só por isso, condená-lo independentemente das provas apresentadas. Todos os advogados ouvidos falaram de uma questão jurídica, não do caso concreto.

“No meu modo de entender, não é admissível que se obrigue o réu, mesmo preso, a utilizar o uniforme da prisão. A visualização do preso algemado, infunda na consciência dos jurados a ideia de que se trata de um homem perigoso e isso leve a um prejulgamento de tal modo que ele venha a ser condenado. A utilização do uniforme segue a mesma lógica”, disse o advogado Alberto Zacharias Toron.

O criminalista afirma que a imposição pode levar a anulação do júri . “No meu modo de ver, a juíza não só mostra sua parcialidade como também contribui decisivamente para a condenação do acusado, pela vestimenta dele. Vai despertar nos jurados a mesma sensação de que se trata de uma pessoa perigosa. Portanto, eu vejo nisso uma clara violação à súmula 11 do STF”, afirma.

A súmula 11 foi publicada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em 2008 e trata da excepcionalidade do uso de algemas pelo réu, apenas em casos extremamente necessários, justificados por escrito, sob pena de anulação do “ato processual” e responsabilização do responsável por tal decisão.

“A permanência do réu algemado indica, à primeira visão, cuidar-se de criminoso da mais alta periculosidade, desequilibrando o julgamento a ocorrer, ficando os jurados sugestionados”, diz trecho do voto do ministro Marco Aurélio sobre o tema.

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Julgamento ocorrido em 2017, quando os acusados de envolvimento nas chacinas de Osasco e Barueri, de 2015, foram autorizados a utilizar roupas civis - Rogério Pagnan/Folhapress

O criminalista Roberto Delmanto Júnior afirma que esse entendimento da súmula 11 já foi estendido pela 5ª STJ (Superior Tribunal de Justiça), em 2019, ao garantir que o réu, além de não usar algemas, também pudesse usar roupas levadas pela família durante o julgamento.

“Isso tem embasamento da plenitude de defesa no tribunal do júri e própria dignidade da pessoa humana. Somada a isso a presunção de inocência”, disse Delmanto. “Os jurados decidem de acordo com a sua íntima convicção. E, assim como ocorre com as algemas, as roupas de presidiário poderão impactar o aspecto subjetivo dos jurados. Mesmo porque, como eu disse, os jurados não têm a necessidade de fundamentar porque estão decidindo desta ou daquela forma. Portanto, os jurados não devem ser influenciados por aspectos como a vestimenta, pelas roupas do presídio.”

O advogado Augusto de Arruda Botelho disse que em 20 anos de tribunal de júri nunca viu um juiz negar esse pedido da defesa, de o réu usar as roupas levadas pela família, mesmo não havendo uma previsão legal expressa quanto a isso.

Para ele, a “boa prática do júri e até a aplicação por analogia da súmula vinculante 11”, garantem esse direito ao preso. “Por que isso? Porque nós temos que lembrar de que o tribunal do júri e formado por sete pessoas do povo, leigas, que muitas vezes podem ser influenciadas por imagens e fatos alheios ao processo. A roupa de um presidiário, o fato de ele usar algemas, tudo isso pode ser levado em conta no imaginário desse jurado em prejuízo desse réu”, disse.

O advogado Eugênio Malavasi, presidente da Comissão Especial de Estudos sobre o Tribunal do Júri da OAB SP, disse que o juiz presidente do tribunal do júri não pode impor o uso de uniforme de presidiário “sob pena de violação aos princípios constitucionais da plenitude de defesa” e da presunção de inocência.

“No que tange à plenitude de defesa, o uso da vestimenta carcerária – quanto de algemas – estigmatiza o acusado como criminoso perante o conselho de sentença, perfazendo, a meu sentir, um incontrastável obstáculo para a defesa e uma vantagem para a acusação. Quanto à presunção de inocência, seria paradoxal presumir o acusado como inocente, mas, trajá-lo como culpado. Ora, que ‘presunção’, portanto, seria essa?”, disse ele.

O advogado dos réus, João Carlos Campanini, disse que conversou com a magistrada ainda na segunda-feira (22) sobre o uso das roupas civis pelos suspeitos, mas que ela não autorizou a mudança dos trajes sem uma justificativa técnica. “Ela me disse: ‘eles serão julgados do jeito que vieram do presídio. Aqui, em Osasco, aqui, comigo, vai ser assim'”, afirma o defensor.

Campanini disse ter argumentado com a magistrada que em 2017 e 2018 os réus não usaram uniformes, e ambos os júris foram presididos por ela, mas recebeu a resposta que a falha ocorreu antes, não agora.

"Está registrado em ata, e caso algum réu seja condenado, logicamente vamos pedir a anulação de julgamento ", disse ele.

O defensor da dupla informou ainda que Manhanhã foi levado ao plenário algemado e, durante os trabalhos, a algema foi retirada. Para ele, somente essa entrada algemada já traz um prejuízo ao réu, porque não é certo que os jurados tenham visto as algemas serem tiradas.

"Entrar algemado é a mesma coisa que permanecer algemado, pois os jurados já o recebem com a pecha de um criminoso de extrema periculosidade, embora ainda nem tenha sido julgado", disse.

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