Ideia de que palmada nos faz fortes é ultrapassada, diz pesquisador de Harvard

Jorge Cuartas responde a comentários de leitores da Folha sobre punição corporal a crianças

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São Paulo

“Será que, sem palmadas, não estaríamos em um lugar melhor?”.

A pergunta foi formulada pelo economista colombiano Jorge Cuartas, 30, que está terminando seu doutorado em educação na Universidade Harvard, em resposta ao comentário de um leitor da Folha descrente sobre os efeitos negativos desse tipo de punição corporal.

Cuartas é um dos autores de um estudo inédito que comprovou que a palmada afeta o funcionamento do cérebro, ampliando a percepção de medo nas crianças que as recebem.

Ele comentou algumas opiniões de leitores em relação à sua pesquisa e a reportagens mais antigas sobre o tema analisadas na tese de mestrado da jornalista Paula Perim.

Em guerras, milhões de crianças passaram fome, tiveram suas casas bombardeadas, perderam os pais. Muitas sobreviveram, estudaram, se tornaram cientistas, médicos, enfermeiras, advogados, escritores.

O fato de que uma pessoa que tenha sido exposta a adversidades, como guerras, atinja bons resultados não significa que elas não tenham um impacto. Há evidências científicas extensivas da neurociência, da psicologia, da economia, da pediatria, da medicina, da sociologia e de outras áreas mostrando que a exposição a guerras e outras formas de violência podem aumentar o risco de resultados negativos ao longo da vida, incluindo a saúde física e mental, o comportamento social e problemas econômicos.

Isso não significa que toda pessoa exposta à guerra e a outras formas de violência vai terminar com esses problemas, mas que a exposição a adversidades aumenta os múltiplos riscos e impede que indivíduos atinjam seu desenvolvimento e seu bem estar potenciais.

Alguns anos atrás muitos pais não estavam preocupados que seus filhos comessem muito doce. Mas a ciência nos mostrou os riscos disso e os pais têm mudado suas atitudes em relação ao consumo excessivo de açúcar.

O mesmo ocorre com a punição corporal. Tem sido uma prática muito comum ao longo de gerações, mas agora temos boas evidências de seus riscos. Dessa forma, podemos atualizar nossas crenças, atitudes e comportamentos, empregando práticas que podem ser mais beneficiais para as próximas gerações.

Fotografia do século 19 mostra criança apanhando
Fotografia do século 19 mostra criança apanhando - Boston Public Library

Aqui em casa, em quatro pessoas, reunimos cinco graduações, uma pós-graduação, dois mestrados, um doutorado, um pós-doc e nenhum de nós escapou de alguns corretivos quando crianças. Ninguém teve seu desenvolvimento cerebral comprometido.

A ciência não está dizendo que toda criança que recebeu palmada terá consequências negativas na vida por isso. O que a ciência está dizendo é que a palmada aumenta esse risco.

Veja meu tio que fumou por 50 anos e é perfeitamente saudável. Isso significa que fumar não é nocivo? Não, porque o que a ciência nos diz é que, com base na análise de muitos casos –e não em uma experiência individual–, fumar aumenta o risco de doenças do pulmão. E não que todo fumante terminará doente.

Essa mesma lógica se aplica à palmada. Além da nossa pesquisa em desenvolvimento cerebral, há mais de 50 anos de outros estudos cobrindo milhares de crianças em todo o mundo e concluindo que palmadas aumentam o risco de consequências negativas.

Apanhei e fui disciplinada quando era criança, e isso corrigiu muitas coisas em mim.

Tristemente, tendemos a fazer a violência parecer normal e pensamos que as experiências negativas –como ser alvo de violência– são boas para nós e nos fazem fortes. Essa é uma ideia ultrapassada.

A realidade é que é extremamente difícil saber se as palmadas foram boas ou más para nós. Será que, sem a palmada, não estaríamos em um lugar melhor? Dado que é difícil responder a essa pergunta, temos de confiar na ciência, que nos mostra como diferentes experiências podem levar a resultados diferentes, em média, para grupos grandes de pessoas.

Comparar palmadinhas com abuso sexual é um absurdo.

A ciência não nos diz que a palmada e o abuso sexual são o mesmo, mas que ambas as experiências fazem as crianças se sentirem ameaçadas (claro, que a palmada em menor nível que o abuso sexual). Então, ambas afetam as mesmas regiões do cérebro. Embora afetem as mesmas regiões do cérebro, haverá uma diferença em nível, com o abuso sexual causando consequências mais fortes.

Diversos animais recorrem à coerção física para manter a autoridade num grupo. Tente convencer um Doberman a lhe obedecer através apenas da boa conversa.

Seguindo a mesma lógica, poderíamos justificar guerras e violência entre adultos. Seria justificável que nossos chefes usassem coerção física contra nós apenas para manter a autoridade no grupo? Acho que não.

Os responsáveis pela lei [que proíbe a palmada] deveriam ter pensado em uma outra que obrigasse os humanos, antes de procriarem, a ter todas as condições necessárias para cuidar do desenvolvimento de seus filhos. Praticamente cada pai teria que ser um pedagogo, psicólogo...incrível, não?

A parentalidade mistura treinamento e intuição. Adultos já sabem algo sobre parentalidade quando se tornam pais porque aprenderam de seus próprios pais. Além disso, alguns comportamentos parentais são conectados à nossa constituição biológica e explicados pela evolução. Mas treinamento depois que nos tornamos pais é também importante, e os adultos podem aprender novas habilidades e mudar seus comportamentos ao longo do tempo.

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