Brigo pela minha criança interior ferida, afirma vítima de abuso infantil que virou ativista

Natacha Orestes, 35, relata violências que sofreu e conta como transformou a dor em luta

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São Paulo

A presença do abuso sexual apareceu na vida da professora Natacha Orestes, 35, desde muito cedo. Natural de Jundiaí (SP), ela relata que a cultura do abuso é parte do histórico familiar. Em 2015, Natacha transformou o pessoal em político: criou o perfil Brasil Contra SAP (Síndrome da Alienação Parental) e passou a integrar a Sangra Coletiva, um coletivo antipedofilia.

A ativista Natacha Orestes em sua casa, na zona norte da capital paulista - Mathilde Missioneiro/Folhapress

Cresci tendo meu corpo acessado por homens próximos como se fosse a coisa mais normal do mundo. Não me lembro quando foi o primeiro abuso, era muito pequena, só tenho flashes. Aos sete, dormindo na casa de amigos da família, acordei com a mão de um homem dentro da calcinha. Em torno dos dez anos, parecia que algo em mim atraía abusadores.

Eu era alvo fácil. Talvez fosse minha situação familiar, com pai alcoólatra, agressor, e mãe agredida e adoecida por causa dele. Ela também era uma vítima, vivia terrorismos sexuais que eu testemunhava, nunca teve culpa de nada.

Um perueiro encostou seu pênis em minhas nádegas. Um familiar se esfregou em mim enquanto eu jogava videogame. A certeza de que eu não diria nada por medo abria caminho. Sendo meus próprios familiares um perigo, eu não tinha com quem contar.

O meu entorno era atravessado por abusos disfarçados de carinhos. Você cresce com noção deturpada de carinho e dificuldade de estabelecer limites já que, para você, a norma é ser invadida.

Difícil lidar com os sentimentos de traição. A gente é criada para pôr a família em um pedestal. Põe, e descobre que ela é sua destruição.

Não sou um caso isolado. Hoje, vários parentes estão contra mim porque dei nome às violências que vivi, das quais eles são sujeitos, e ajudo na denúncia de novo abuso.

Mais uma criança foi estuprada na minha família, mas dessa vez ela não está sozinha. Eu brigo por ela como se estivesse brigando pela minha criança interior ferida.

Não tem como voltar e apagar os traumas que me perseguem, mas tem como fazer o mínimo para que outra criança não tenha tantas memórias de abandono e negligência como eu tenho. Até hoje lido cotidianamente com as consequências psicológicas, e não quero isso pra ela.

Cresci ouvindo histórias de abusos incestuosos, e eu mesma os vivenciei. Prefiro não expor nomes, mas não vou guardar segredos para manter a família em paz. Consegui explodir as pedras que escondiam a história da minha vida.

Em 2015, quando fui processada por denunciar um estupro e encontrei mães cujos filhos sofriam o mesmo que eu sofri, decidi desenvolver um projeto de comunicação pra conscientizar as pessoas.

Homens precisam ser parados. Não importa se é pai, tio, primo, amigo. O vínculo, nesses casos, se torna cordas de um cativeiro e deve ser destruído, não tem conserto. Não há saúde mental perto de abusadores. Não existe perdão.

Há muita raiva, e eu a abraço como uma grande amiga e protetora. É ela que me mantém capaz de proteger outras crianças. Gostaria que mais mulheres abraçassem o potencial transformador da própria raiva. Somos chamadas de loucas quando demonstramos raiva, mas é essa ‘loucura’ que vai mudar o mundo.

Depoimento a Ana Beatriz Gonçalves.

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