Netos suspendem atividades do Instituto Samuel Klein após escândalo

Com foco em educação e primeira infância, braço de filantropia da família reconhece gravidade das denúncias de exploração sexual contra o patriarca e vai redefinir atuação

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São Paulo

As acusações são de extrema gravidade, nos chocaram e geraram profunda perplexidade”, diz a nota estampada na página inicial do site do Instituto Samuel Klein (ISK), criado em 2014, mesmo ano em que o patriarca da família morreu aos 91 anos.

“Ressaltamos desde logo que não iremos contemporizar qualquer atitude, de quem quer que seja, que não se alinhe com os nossos valores de ética e integridade”, prossegue o comunicado, que resume o mal-estar causado pelas denúncias de exploração sexual envolvendo o fundador das Casas Bahia, publicadas pela Agência Pública e pela Folha.

O instituto, que financia iniciativas voltadas à primeira infância e ao fortalecimento de vínculos com a comunidade judaica, tem como mantenedores Natalie e Raphael Klein, netos de Samuel e filhos mais velhos de Michael, primogênito do empresário que ficou conhecido como “rei do varejo”.

Fachada do Instituto Samuel Klein, em Pinheiros, SP - Mathilde Missioneiro/Folhapress

Na tarde de sexta-feira (14), foi informada aos parceiros do terceiro setor a suspensão temporária das atividades do instituto. “Essa decisão é parte de um processo de profunda reflexão e consequente transformação e ressignificação para os nossos futuros objetivos”, diz a mensagem.

A direção do instituto, a cargo de Yael Sandberg, ressaltou o compromisso de manter os aportes para a continuidade dos programas em desenvolvimento e também aos já aprovados. “Para que terceiros beneficiários não sejam prejudicados.”

Comunicado publicado na página inicial do Instituto Samuel Klein sobre as acusações de exploração sexual contra o patriarca que dá nome à organização - Reprodução

Entre os projetos apoiados está o Família Acolhedora, do Instituto Fazendo História, que acolhe bebês de 0 a 3 anos em famílias voluntárias até que sejam adotados, garantindo o direito de crianças abrigadas à convivência familiar.

Ao longo das últimas semanas, o instituto havia liberado todos os parceiros do uso da marca ISK em razão da crise de imagem relacionada ao patriarca que dá nome à instituição.

“Eles vão manter os apoios sem divulgação da marca, compreendendo os danos reputacionais de estar vinculado ao instituto neste momento”, afirma Cláudia Vidigal, fundadora do Fazendo História. “Não é uma situação fácil, mas estamos apoiando o instituto em encontrar o seu novo lugar. Não dá para seguir como antes nem apenas mudar de nome.”

Na área de educação, o Instituto Samuel Klein destina recursos para as escolas Lubavitch-Gani, localizadas no Bom Retiro, e o Centro de Educação Infantil Bety Laffer, que atende crianças e adolescentes e idosos em situação de vulnerabilidade social. Oferece ainda bolsas na Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein e em outras instituições.

Com uma visão estratégica de filantropia, o Instituto Samuel Klein estava se consolidando entre os novos players no cenário de investimento social privado no país.

Natalie Klein Duek, presidente do instituto, indicou as diferenças entre as ações de caridade feitas pelo avô Samuel no passado e o trabalho do instituto em um artigo publicado na revista Veja em dezembro de 2019, intitulado “Filantropia é dever”.

“O velho Samuka era puro assistencialismo. Ele se comovia com tudo. Se ocorria um desastre natural, meu avô mandava fogão e geladeira para os desabrigados. Financiava de construção de escola a festa de casamento", escreveu Natalie.

Ela descreve o avô como “o cara” em publicações no Instagram, nas quais enaltece a trajetória do filho de carpinteiros, que deixou a escola na Polônia na 3ª série, em meio à perseguição nazista, para virar mascate e construir um império no Brasil.

Se o instituto carrega o peso do nome do patriarca, as novas gerações vão precisar lidar com a carga do sobrenome após os escândalos sexuais.

Uma pessoa próxima diz que continuam sendo Klein para o bem e para o mal. Ela frisa também não haver “uma família Klein”, já que há distintos ramos.

O primeiro racha familiar é anterior à morte do patriarca. Acontece quando o caçula Saul, também denunciado por abuso sexual, vende sua parte na empresa.

O rompimento se deu em agosto de 2009, quando Saul negociou com o próprio pai a saída do negócio familiar. Bilionário, passou a investir em times de futebol e a levar uma vida de festas, sempre rodeado de mulheres. Afastou-se do restante dos familiares.

Foi Samuel Klein quem negociou a venda das 500 lojas das Casas Bahia para o Grupo Pão de Açúcar, de Abílio Diniz. Desde 2011, a rede está sob o guarda-chuva da Via Varejo, atualmente Via, holding constituída para gerir as marcas Casas Bahia, Pontofrio (que virou Ponto), Extra.com.br e Batira.

Segundo nota divulgada após os escândalos envolvendo Samuel e Saul Klein, “a família nunca exerceu qualquer papel de controle na holding”, que é dirigida por um executivo.

A participação acionária dos Klein é minoritária, mas Raphael é atualmente o presidente do conselho de administração, em substituição ao pai, que deixou a função no começo da pandemia. Raphael construiu carreira nos Estados Unidos, onde morou por dez anos e foi dono de concessionárias em Miami, antes de retornar ao Brasil em 2006.

Sua irmã, Natalie, também seguiu voo solo, ao fundar aos 21 anos a NK Store, uma multimarcas de luxo com 1.200 funcionários.

Além de Natalie e Raphael, Michael Klein é pai de outros quatro filhos, frutos do segundo casamento. É inventariante do espólio de Samuel Klein.

“Recebi a informação sobre essas denúncias com perplexidade e tristeza”, declarou Michael, em nota encaminhada à Folha, sobre as acusações de abuso sexual contra o pai. “Infelizmente, Samuel Klein não está aqui para se defender.”

O espólio do patriarca é uma fortuna estimada em R$ 1,6 bilhão, em torno da qual vêm sendo travadas disputas entre os três herdeiros.

De um lado está Saul, que pretende tirar o irmão do posto de inventariante, e do outro, Michael e Eva, que acusam o caçula de ter "manchado o nome da família".

Em fevereiro, Saul entrou na Justiça para cobrar R$ 13,75 milhões do irmão, alegando se tratar da parte não quitada de empréstimo de R$ 30 milhões. À coluna Mônica Bergamo, o advogado João da Costa Faria, que representa Michael, disse que a ação é um “pedido desconexo, grotesco e caricato”.

Filho único de Saul, Philip também entrou na Justiça, em outubro do ano passado, pedindo a interdição do pai, sob o argumento de que o empresário teria gasto, em 11 anos, R$ 1,4 bilhão de sua fortuna. A defesa de Saul apresentou documento em que o herdeiro teria desistido da ação.

Os imbróglios se tornaram públicos na esteira das investigações criminais, assim como seus impactos dentro e fora do círculo familiar.

Com estilo low-profile, Raphael e Natalie chamaram para si a missão de preservar o legado de filantropia do avô em uma lógica do século 21.

Eles financiam o instituto com recursos próprios, não advindos do espólio, aportando capital no desenvolvimento de iniciativas já existentes. Fizeram do instituto batizado com o nome do avô uma espécie de aceleradora de projetos sociais. Viram-se forçados a pisar no freio.

Para especialistas do terceiro setor, um dos caminhos que podem ser trilhados é o da filantropia restaurativa por parte do Instituto Samuel Klein ou do espólio. “Há vários exemplos do uso da filantropia para reparação histórica”, explica Roberta Faria, presidente do Instituto Mol, que tem como causa o fortalecimento da cultura de doação no Brasil.

Ela cita projetos de combate ao racismo estrutural apoiados por descendentes de famílias que enriqueceram com a escravidão nos Estados Unidos. “Essa lógica poderia ser aplicada em um caso de exploração sexual para romper o ciclo de miséria e também curar as feridas das vítimas.”​

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