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Moradores criticam demora na reabertura de Bom Prato em Paraisópolis

Fechada por sete meses durante pandemia, unidade de restaurante popular deixou de servir 300 mil refeições

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Lucas Veloso
Agência Mural

Desde setembro, o autônomo Alison David, 32, tem enfrentado mais dificuldade para conseguir comida em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. Ele costumava comprar o almoço no Bom Prato do bairro, mas parou de ir ao local desde que obras tiveram início na unidade, no meio da pandemia.

Enquanto o espaço estava fechado, frequentadores faziam filas do lado de fora para conseguir marmitas que eram distribuídas na hora do almoço. Ao todo, 300 refeições eram vendidas, bem abaixo das 1.800 de um dia normal, uma queda de 83%.

“A fome aumentou por estar fechado. Tem gente que passou sufoco, ficavam esperando e não conseguiam pegar”, diz Alison, que conseguiu se manter nos últimos meses com a ajuda de doações.

O espaço foi reaberto no último dia 19 para a retirada das refeições, após mais de 200 dias. A paralisação foi criticada por moradores que ficaram mais expostos à fome no período mais grave da pandemia de Covid-19.

Paraisópolis é a segunda maior favela da capital, com cerca de 100 mil habitantes, e o Bom Prato era considerado essencial em um período de agravamento da crise econômica e diante da suspensão do auxílio emergencial, entre janeiro e abril.

O programa estadual tem 59 restaurantes —22 na capital, 12 na Grande São Paulo, 8 no litoral e 17 no interior—, que oferecem café da manhã a R$ 0,50 e almoço e jantar por R$ 1. Ainda não há data para a retomada completa do funcionamento da unidade Paraisópolis, mas na véspera da reabertura um almoço-teste foi realizado no local.

Considerada a quantidade de refeições servidas diariamente na unidade, em sete meses, o restaurante popular deixou de servir mais de 309 mil refeições, número suficiente para alimentar a comunidade inteira por três dias seguidos.

Relatos de pessoas em situação de fome e insegurança alimentar se tornaram mais comuns na favela devido à pandemia. Nos últimos meses, diversas ações sociais e de empresas distribuíram alimentos à população local.

“Fez muita falta porque beneficia muita gente. Prejudicou, principalmente quem trabalha com reciclagem, pedreiros e quem precisa do Bom Prato mesmo”, ressalta a dona de casa Lindalva Querino Torres, 54.

Ela diz que a situação só não foi pior devido às ações promovidas por lideranças comunitárias do bairro. “Se não fosse isso, não teriam o que comer mesmo”, emenda.

No ano passado, a Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo informou que a unidade foi fechada para obras necessárias para garantir a segurança dos usuários. Afirmou também que o fechamento foi comunicado com antecedência e que foi indicada a unidade mais próxima, que fica em Santo Amaro —a 6,2 km do local.

A pé, o percurso é estimado em 1 hora e 22 minutos, tendo de cruzar o Morumbi e o Rio Pinheiros. Em transporte público, consomem-se 49 minutos, além do gasto com a passagem, de R$ 4,40.

Na época, a alternativa dada pelo poder público foi criticada por Gilson Rodrigues, 36, presidente da Associação de Moradores de Paraisópolis. A distância era um impedimento aos moradores, segundo ele.

"As pessoas que vão para a fila do Bom Prato não têm estrutura. É impossível gastar com condução até Santo Amaro. É muito mais caro do que o preço da alimentação. E ir andando, com fome, mais de uma vez ao dia, não", afirmou.

Gilson comentou que, na ausência do Bom Prato, viu mais gente no pavilhão social em busca das marmitas.

Nos últimos meses, a professora Juciara Couto Oliveira, 30, também conta que viu muitos vizinhos na favela com dificuldades de alimentação. “Não passei fome porque meu marido faz de tudo para conseguir as coisas, mas aqui perto muita gente precisou de doações e não podia contar com o Bom Prato.”

Apesar das ações feitas ali, a professora diz que as cestas básicas não chegaram para todo mundo que precisava e o fechamento da unidade agravou a situação.

Na terça-feira (18), o Bom Prato foi reaberto para um almoço. No dia, representantes do poder público, alguns moradores e outros convidados testaram o espaço e as reformas feitas no local, como a nova cozinha, iluminação, rede elétrica, hidráulica e equipamentos novos, além de ambientes climatizados.

De acordo com o governo do estado, foram investidos R$ 718 mil, sendo R$ 514 mil voltados para obras e R$ 203 mil em equipamentos.

Na ocasião, Célia Parnes, secretária municipal de Desenvolvimento Social do estado, admitiu a importância do local em meio à insegurança alimentar provocada pela pandemia e disse que o espaço requeria uma série de melhorias, como aumentar a luz e o espaço de estocagem e preparo das refeições.

Perguntada sobre as opções oferecidas à população durante o fechamento, a secretaria disse que informações foram dadas e que uma unidade da rede garantia as refeições distribuídas diariamente por ali, mas, segundo informações de moradores, a quantidade era insuficiente.

A rede continua funcionando em horário de atendimento estendido, adotado durante a pandemia. O café da manhã é a partir das 7h, almoços a partir das 10h30 e jantares das 17h em diante ou enquanto houver refeições.

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