'Não vão conseguir nos parar', diz vereadora que deixou o país após ameaças

Mensagens enviadas a Benny Briolly, do PSOL de Niterói, citavam seu endereço e metralhadora de Ronnie Lessa

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Rio de Janeiro

Benny Briolly, 29, foi para fora do país pela primeira vez. "Tinha planejado já um dia sair, fazer uma viagem, mas não dessa forma", diz.

Não pode dizer onde está. A vereadora do PSOL de Niterói (RJ) foi incluída no Programa Estadual de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, vinculado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Com a quinta maior votação local em 2020, Briolly virou a primeira vereadora trans da história de sua cidade.

Ainda antes de assumir o mandato, quando era assessora parlamentar da então vereadora e hoje deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ), ela já estava na mira de grupos de ódio na internet. Dali em diante, veio a enxurrada de comentários virtuais como "se eu ver essa porra na rua vou bater até virar homem" e "ah se eu pego um malaco no mesmo banheiro que minha filhinha… vai dar merda!".

Foto mostra uma mulher negra, de óculos, cinto branco e colar também branco, encostada numa parede preta
Benny Briolly, vereadora do PSOL de Niterói, diz que deixou país após ameaças. (Foto: Rafael Lopes/Divulgação?) - Rafael Lopes/Divulgação

Petrone, mulher e negra como a ex-funcionária, também vive sob tensão. Em 2020, ela foi oficialmente informada pela Polícia Civil do Rio sobre a interceptação de mais de cinco gravações planejando sua morte.

As ameaças contra Briolly foram juntadas num dossiê que sua equipe monta. O tom intimidatório foi aumentando até que, no dia 7 de dezembro de 2020, a vereadora recebeu um email de um homem que diz se chamar Ricardo Wagner Arouxa. O título: "Briolly - pedido de renúncia do mandato".

Caso a parlamentar não pedisse para sair do cargo, estava morta. "Vou comprar uma pistola 9mm no morro do Engenho aqui no Rio de Janeiro e uma passagem só de ida pra Niterói e vou te matar", afirmava ele.

Ele dizia ainda que iria atirar na cabeça e depois se matar com a arma. Também afirmava fazer parte do grupo que matou a vereador Marielle Franco (PSOL-RJ), assassinada em março de 2018, e se refere a Briolly —sempre pela inflexão masculina de gênero— como "aberração, macaco favelado fedorento, cabelo ninho de mafagagos, pedreiro de peruca".

O gabinete da vereadora diz que o email faz parte de uma ação orquestrada por um grupo neonazista que atua na dark web (área não rastreável da internet) e está ligado a vários ataques racistas e homofóbicos.

A mensagem, que tinha teor igual à enviada para outras mulheres com cargos políticos, negras ou trans, trazia o endereço da residência da vereadora, que registrou um boletim de ocorrência no dia seguinte. O nome do suposto remetente também era o mesmo, mas, segundo investigações, Arouxa é vítima de crime cibernético.

As redes sociais também viraram celeiros de ataques. Durante a campanha eleitoral, um usuário do Facebook que se identificava como Ronan Roninho escreveu assim: “Ronnie Lessa já está de olhos em vocês. Cuidado com a metralhadora para excluir os maconheiros kkk”.

Lessa é o policial militar aposentado acusado de matar Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, num duplo homicídio sobre o qual até hoje pairam dúvidas, como a existência de um mandante do crime nunca localizado.

"A violência política que estou sofrendo não é um evento isolado. Tem sido recorrente contra parlamentares negras e travestis", diz Briolly. "A lógica patriarcal e racista de desumanização dos nossos corpos é muito covarde. E se mostra cada vez mais incomodada com nossos corpos e o projeto político que defendemos ocupando as casas legislativas."

"Cria das favelas de Niterói", ela liderou, enquanto estudante de jornalismo, o movimento Educação Não É Mercadoria, contra o aumento das mensalidades para quem, como ela, pagava faculdade particular.

Em 2020, após trabalhar com a colega do PSOL Talíria Petrone, ela se lançou para vereadora, uma das 300 candidaturas trans do Brasil no último pleito. Foi uma entre 15 parlamentares eleitos: 1 homem trans e 14 mulheres trans e/ou travestis.

Seu maior embate na Câmara é com Douglas Gomes, vereador bolsonarista do PTC. Os dois já trocaram ofensas na tribuna. Gomes tem como praxe se referir à colega pelo pronome masculino, como ao classificá-la de "moleque" e "mentiroso" (adjetivos que, segundo o vereador, Briolly também teria usado contra ele).

Briolly não abriu mão de seu mandato, como fez o também psolista Jean Wyllys em 2019, dizendo-se receoso com as ameaças de morte que sofria. Ele foi o primeiro parlamentar assumidamente gay a encampar a agenda LGBT+ no Congresso Nacional.

Ela continua acompanhando as sessões da Câmara, por ora virtuais por causa da pandemia de Covid-19.

"Não vão conseguir nos parar. Eu fui eleita a mulher mais votada da cidade, tenho um compromisso com as pessoas que confiaram em nosso projeto político. Inclusive espero que em algum momento a gente seja notícia pelo trabalho que fazemos, e não só pela violência que sofremos."

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