Descrição de chapéu Enem

USP conclui só 0,5% dos processos por fraude em cotas raciais

Ações decorrentes de denúncias feitas em 2017 ainda não tiveram desfecho

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São Paulo

A USP atingiu neste ano o patamar de mais de 50% de ingressantes oriundos de escolas públicas, dos quais 44,1% autodeclarados pretos, pardos ou indígenas.

Com a vigência da política afirmativa, vieram também as denúncias de fraudes nas cotas raciais. Até hoje, apenas 1 dos 193 processos desse tipo em curso, ou 0,5% do total, foi concluído.

As ações foram originadas de 381 denúncias que ficam sob responsabilidade da Pró-Reitoria de Graduação. Dessas, 160 foram descartadas por não apresentarem indícios de materialidade e 27 não prosperaram porque os alunos cancelaram suas matrículas por conta própria.

As primeiras duas denúncias foram feitas em 2017, quando parte dos cursos utilizava cotas raciais pelo Sisu (Sistema de Seleção Unificado), pelo qual ingressam candidatos que haviam prestado o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Em 2018 a ação afirmativa se tornou universal na instituição.

Em julho de 2017, o Conselho Universitário da USP aprovou a adoção das cotas raciais e socieconômicas em toda a universidade, permitindo a modalidade para candidatos inscritos no seu principal método de ingresso, o vestibular Fuvest, a partir do ano seguinte.

O único caso que teve conclusão foi o de Braz Cardoso Neto, à época com 20 anos, aluno do IRI (Instituto de Relações Internacionais) que entrou na universidade em 2019. Em julho de 2020, uma decisão unânime expulsou o estudante, que se declarou pardo e com renda inferior a R$ 4.000, mas não conseguiu comprovar as condições.

As denúncias de fraude devem ser endereçadas à Pró-Reitoria de Graduação, que centraliza as investigações. Dessa forma, a universidade garante que todos passem pelos mesmos procedimentos, com as mesmas chances de defesa.

O processo, no entanto, é moroso. Além de 2 ações iniciadas em 2017, há mais 44 abertas em 2018 em apuração. No final deste ano, os casos completarão quatro anos, tempo mínimo necessário para a conclusão de uma graduação em muitos cursos da universidade. Alunos acusados de fraude que ingressaram no primeiro ano de cotas na instituição poderão se formar em 2021 sem que as investigações sejam concluídas.

Grande parte das denúncias são feitas pelo Comitê Antifraudes, criado no primeiro ano de vigência da política por alunos da USP. Hoje formado em direito, Lucas Módolo, advogado e coordenador do comitê, é um dos responsáveis por formalizar as suspeitas. Para ele, o trabalho desenvolvido pela Pró-Reitoria tem efeito na medida em que a discussão sobre fraudes aumenta. Em sua avaliação, porém, a atuação do órgão é lenta.

“Em 2018, a universidade deveria ter implementado algum mecanismo de prevenção a fraudes e, na ausência disso, algum mecanismo de repressão para investigar quem são as pessoas que estão atuando de forma irregular”, diz.

O pró-reitor e professor Edmund Baracat diz que a expectativa é de finalizar os processos mais antigos ainda neste ano e que, caso isso não aconteça, a USP pode vir a agir para impedir que fraudadores recebam seus diplomas.

"Se o aluno concluir o curso e o processo dele não sair, nós, a universidade, por meio da Procuradoria Geral [da USP], podemos exercer ações para impedir ou para retirar esse certificado, mas essa é uma consulta que nós teremos que fazer à Procuradoria Geral", afirma.

Baracat afirma ainda que a tramitação se tornou mais lenta devido à pandemia de coronavírus, que impediu que muitas das oitivas presenciais fossem realizadas. Segundo o pró-reitor, diversas fases foram feitas a distância, mas parte das que precisavam de atendimento pessoal foram interrompidas.

"Nós fazíamos as oitivas online, mas, quando tínhamos que fazer as presenciais, não podíamos fazer, por isso retardou o processo. Nós paramos no momento em que era necessário o contato presencial do denunciado ou denunciada com a comissão. Agora nós já retomamos."

Durante a implementação das cotas, não foram criados mecanismos que confirmem a autoafirmação dos candidatos. Em outras universidades paulistas, como a Unesp (Universidade Estadual de São Paulo) e a Unicamp (Universidade de Campinas), os aprovados que se autodeclaram pretos e pardos passam por sistemas de verificação no processo de matrícula.

Na USP, a averiguação começa mediante denúncia. Se a denúncia for transformada em processo, comissões formadas por professores e servidores investigam os casos, enquanto os alunos permanecem matriculados na universidade, para garantir que, em casos de falsa acusação, ninguém seja prejudicado.

Para a professora Gislene Aparecida dos Santos, do curso de Gestão de Políticas Públicas e do programa de pós-graduação em Direito da USP, essa não é a forma correta de atuação. A docente afirma que a universidade deveria ter uma comissão permanente que acompanhasse os alunos cotistas durante todo o curso de graduação e que tivesse mecanismos para verificar se os critérios de ingresso e as condições de permanência dos estudantes estão sendo respeitados.

"O que nós observamos até o momento é que isso deveria ter sido feito no momento em que USP implementou a política, e não foi feito", afirma.

A universidade estuda a implementação de um sistema que confirme as autodeclarações dos novos estudantes, segundo Baracat. O desafio, porém, é construir um mecanismo que seja eficiente para a verificação de todos os ingressantes na modalidade de cotas raciais —neste ano, foram 2.504 alunos.

"O tamanho da USP também contribui para uma dificuldade", diz o pró-reitor. "Um dos pontos que nós estamos discutindo é a possibilidade de ter uma comissão de averiguação, mas ainda estamos em discussão interna na Pró-Reitoria e depois levaremos para as instâncias superiores."

Caso um candidato se sinta lesado por um suspeito de fraude, ele pode entrar na Justiça com um pedido de antecipação de tutela, pelo qual um juiz pode conceder ao aluno uma vaga provisória antes da universidade julgar o processo administrativo.

O Comitê Antifraude ofereceu o serviço gratuitamente neste ano, e ao menos uma dezena de pessoas buscaram informações. Nenhuma, no entanto, judicializou a questão.

"Essas pessoas normalmente gozam de uma realidade de vulnerabilidade social e acabam depositando pouca fé no poder Judiciário. Como advogado, assino embaixo com todas as pessoas negras que não conseguem ver no Judiciário uma esperança, porque é um espaço que não costuma dar esperança para esse segmento da sociedade", diz Módolo, coordenador do comitê.

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