Artistas transformam ruas da zona leste de SP em museu a céu aberto; veja imagens

São Miguel Paulista ganhou grafites que homenageiam símbolos culturais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Eduardo Silva
São Paulo | Agência Mural

Três murais grafitados na zona leste da capital paulista fazem referência à história do estado de São Paulo e do bairro de São Miguel Paulista.

O mais recente, feito em julho, denominado “História em Nossas Memórias”, fica na empena (parede lateral de um edifício) de um conjunto habitacional na Vila Nova União e pode ser visto até por quem passa de trem pela Linha 12 da CPTM.

Com 16 m de altura e 8 m de comprimento, o trabalho homenageia o pajé Laguna, da etnia kariboka (oriunda das regiões de São Miguel Paulista e Guaianases), e faz um resgate histórico do Sítio Mirim, uma construção do século 17 que se encontra em ruínas.

“Sempre fizemos murais homenageando artistas que têm diálogo com a rua e com o movimento artístico e musical periférico e de grande relevância cultural para as quebradas”, afirma o grafiteiro Robson Bó, 36. “O pajé Laguna é um grande conhecedor do nosso bairro e seus pais e avós viveram aqui quando São Miguel Paulista ainda era formado por grandes aldeias”, diz.

Bó e mais cinco artistas, todos moradores da região, foram responsáveis pelo trabalho. Para dar contexto à arte, foram realizadas pesquisas sobre a história do bairro, de modo que os moradores pudessem conhecer mais sobre a região a partir do mural.

“São dias de pesquisa e todo o nosso grupo opina na arte, chegando a um consenso. Também pesquisamos o local para ter um acesso melhor ao público”, conta o grafiteiro Carlos Eduardo Bento (Dumeem), 40, que coordenou o projeto ao lado de Robson.

São Miguel Paulista é um dos bairros mais antigos de São Paulo, fundado entre 1560 e 1622, quando ainda era chamado de aldeia de Ururaí e recebia ações jesuíticas do padre José de Anchieta, um dos primeiros cronistas a citar a região.

Já o Sítio Mirim, que fica a cerca de 5 minutos do conjunto habitacional, serviu como senzala para indígenas escravizados nos séculos passados. Desde 1973 é tombado como patrimônio histórico pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

“É uma construção importante historicamente para a nossa região, apesar de esse fato ser pouco conhecido pela maior parte da população”, diz Jackson Oliveira (Gryllo), 38, que também grafitou o painel. “Julgamos como uma retratação histórica mostrá-lo junto do pajé Laguna para representarmos toda a luta indígena e sua importância”, complementa.

Outros dois painéis (“Memória e Poesia em Traço Negro”, no Jardim Romano, e “Raízes Brasileiras”, no Cangaíba) também contam uma parte da história do estado de São Paulo e fazem parte do projeto MAR (Museu de Arte de Rua), da prefeitura.

Segundo os artistas, um cachê foi combinado com a prefeitura, mas todos os materiais, alimentação e despesas extras são de responsabilidade dos grafiteiros. Três coletivos fazem parte do trabalho nos três murais citados nesta reportagem: Arte e Cultura na Kebrada, BocaSujaCrew e Sou Favela, além de convidados.

O local do painel “Raízes Brasileiras”, no muro da estação Engenheiro Goulart da CPTM, também foi escolhido estrategicamente por estar próximo do parque ecológico do Tietê. O grafite homenageia os curumins (‘crianças’ na língua tupi-guarani) e a fauna brasileira em um painel de 50 m de comprimento.

Para este trabalho, foram convidadas as artistas Laura Reis, 20, e Aparecida Marinho Valentim, 35. “O Bó fez um layout e cada um colocou seu estilo nas letras e nos personagens. Fiz a índia na parte direita do muro, foi meu primeiro grafite completamente colorido”, conta Laura, moradora do Bosque da Saúde, na zona sul.

Já o mural “Memória e Poesia em Traço Negro” tem 8 m de altura e 26 m de comprimento e foi grafitado na parede externa da biblioteca do CEU (Centro de Educação Unificado) Três Pontes. Na arte, feita por quatro membros dos coletivos, estão os rostos de três escritores negros e periféricos: Abdias do Nascimento, Conceição Evaristo e Carolina de Jesus.

Também foram feitos desenhos retratando casas de periferias ao fundo para completar a arte. “A ideia de fundo veio do livro ‘Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada’ [publicado por Carolina de Jesus em 1960], no qual pudemos acrescentar tags, grafite e pixo, que sempre estão espalhados pelas quebradas”, explica Robson Bó.

Tanto na empena do pajé Laguna e Sítio Mirim quanto neste mural na biblioteca foram usados andaimes por conta da altura. Para o grafiteiro Gryllo, foi uma grande experiência e um desafio para os artistas, especialmente para ele e Dumeem, que lutaram contra a fobia de altura.

“Nos fez superar barreiras, tanto no âmbito artístico quanto no emocional e físico. Foi preciso literalmente ultrapassar nossos limites para entregarmos o resultado final. Fiquei muito feliz com mais essa superação pessoal e com o resultado desse belíssimo painel”, finaliza o artista.

Confira os endereços dos murais:

“História em Nossas Memórias”: rua Corinthians, 2-98 (travessa da rua Papiro do Egito, 1.310) - Vila Nova União

“Raízes Brasileiras”: av. Doutor Assis Ribeiro, 3.500 - Cangaíba

“Memória e Poesia em Traço Negro”: Rua Capachós, S/N - Jardim Celia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.