Troca de placas com nomes racistas é forma de chamar atenção, diz historiadora

Para Pietra Diwan, ações têm o poder de jogar luz sobre como minorias tiveram dificultado o acesso a direitos plenos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Podem parecer sutis as substituições simbólicas de placas de rua com nomes de acadêmicos com passados racistas por nomes de personalidades negras, como da biomédica brasileira Jaqueline Góes de Jesus.

Porém, para a historiadora Pietra Diwan, a iniciativa, que partiu do grupo de alunos da Faculdade de Direito da USP e aconteceu nesta quarta-feira (11), tem o poder de abrir o debate público. “Chama a atenção para a questão da memória, que foi construída ao longo da história e que, no Brasil, tem um viés predominantemente branco e masculino", diz ela.

A ação aconteceu na esteira do incêndio da estátua do bandeirante Borba Gato, embora Diwan afirme que não é favorável à depredação. “O monumento tem uma historicidade e eu acredito que é possível ser feita a releitura dele”, diz a historiadora, que sugere que uma das soluções, neste caso, seria a projeção da estátua de um indígena em frente ao bandeirante, “tão grande e tão imponente quanto”.

Sobre a substituição das placas, ela diz que podem ser vistas como um primeiro passo, que seria o da compreensão e entendimento de quem são essas pessoas homenageadas nas ruas de São Paulo.

Algumas das ruas escolhidas para a ação dos alunos da USP, por exemplo, são batizadas por nomes de acadêmicos como o fundador do Instituto Butantan, Vital Brazil Mineiro da Campanha, e o fundador da Faculdade de Medicina da USP, Arnaldo Vieira de Carvalho.

Ambos foram membros da Sociedade Eugênica de São Paulo, movimento que surgiu há pouco mais de um século e, na época, se utilizava de uma suposta ciência para defender pensamentos racistas e tinha como objetivo promover o branqueamento da sociedade. “Hoje, a gente chama de pseudociência, mas, na época, ela tinha status de ciência não só no Brasil, como no resto do mundo”, diz Diwan.

Ainda há quem tente dissociar a eugenia do racismo, mas isso seria um erro, segundo a historiadora, pois o movimento parte do pressuposto de que existe uma hierarquia racial. Ela, que é autora do livro “Raça Pura” (editora Contexto), que analisa a história da eugenia no mundo, relata que desde o início, a sociedade pregava o “melhoramento da nação brasileira e quando esse grupo pensava quem era a nação brasileira, estava falando, principalmente, da elite branca e dirigente”.

Uma das propostas do grupo é a chamado eugenia negativa, ou seja, a esterilização ou impedimento de procriação de pessoas em situações vulneráveis, como pobres, pessoas com problemas de saúde mental, pessoas com deficiência física e prostitutas.

Além disso, em São Paulo, a sociedade era dividida, pois parte pregava o branqueamento da população e outra parte era favorável à segregação. Esta, segundo a historiadora, seria a corrente mais radical, liderada pelo farmacêutico Renato Kehl, que acreditava que a miscigenação era um desvio e se inspirava nos norte-americanos que segregaram brancos e negros.

A historiadora afirma que ações como as dos alunos da USP devem ser insistidas pela sociedade. “Vamos apagar todo mundo? Não, vamos inserir na biografia essa parte que foi omitida e vamos homenagear outras pessoas, que depois de muito esforço estão ocupando posições importantes.”

Ela lembra também que os acadêmicos que tiveram os nomes tampados durante a ação da USP são apenas alguns dos que integraram a sociedade. “Se a gente fizer uma lista de todas as pessoas que tiveram envolvimento com a Sociedade Eugênica de São Paulo foram 140 nomes, mas esse entendimento de quem são esses acadêmicos não pode ser só dos grupos formados por minorias, precisa ser também por parte de prefeitos e governadores que devem rever essas questões”, diz.

O perigo, segundo ela, seria criminalizar essas ações, como ocorreu no caso do incêndio da estátua de Borba Gato. “Se isso acontece, a gente não sai do lugar. A discussão é desconfortável, mas espero que proporcione a reflexão sobre quem foram essas pessoas e sobre como elas dificultaram que alguns grupos sociais tivessem seus direitos plenos respeitados.”

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.