Descrição de chapéu Folhajus

Promotoria desiste de arquivar inquérito sobre ligação do prefeito de SP com irregularidades em creches

Decisão acontece um dia após Folha citar repasses a Nunes por empresa suspeita de integrar máfia das creches

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São Paulo

O Ministério Público de São Paulo desistiu de arquivar o inquérito civil que apura eventual ligação do prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), com supostas irregularidades em creches municipais.

A reabertura das investigações ocorre um dia após reportagem da Folha revelar que o prefeito recebeu dinheiro de uma empresa suspeita de ligação com a máfia das creches, conforme investigação.

Essa apuração civil foi aberta em 2019 para analisar uma série de suspeitas relacionadas às creches, incluindo a relação de Nunes, então vereador, e outros parlamentares com as entidades, mas a Promotoria do Patrimônio Público decidiu promover o arquivamento das investigações por falta de provas.

Prefeito Ricardo Nunes durante evento em São Paulo
Prefeito Ricardo Nunes durante evento em São Paulo - Edson Lopes Jr./SECOM

O pedido pelo fim da investigação foi mandado em abril deste ano para o Conselho Superior do Ministério Público, responsável por analisar esse tipo de solicitação de arquivamento dos inquéritos, mas ainda não foi analisado.

A manifestação da Procuradoria de que faltava indício de irregularidade no caso foi citada pelo prefeito como prova de sua isenção no episódio.

Na tarde desta terça (5), o promotor José Carlos Blat enviou um ofício ao órgão solicitando a devolução dos autos para continuação das investigações por conta de possível fato novo, a reportagem da Folha. Após a retomada das apurações, a Promotoria vai analisar se os casos guardam ligação entre eles.

Conforme documentos obtidos pela Folha, uma empresa suspeita de ligação com a chamada máfia das creches repassou cerca de R$ 31 mil em ao menos três operações para Nunes e para uma empresa de sua família.

O prefeito não nega os repasses e diz que eles não são ilícitos. Atualmente as informações passaram a ser apuradas em âmbito da Justiça Federal e podem servir para abastecer esse inquérito na área civil.

A apuração na área civil foi aberta pelo promotor Blat após uma denúncia anônima que citava Nunes e outros dois vereadores, Rodrigo Goulart (PSD) e Senival Moura (PT). Blat abriu o procedimento para apurar se havia algum benefício aos vereadores em sua relação com as creches, entre outros pontos.

Ao fim de diversas diligências, ele concluiu que os vereadores "não poderiam nessa condição ter qualquer ingerência na escolha das organizações sociais, especialmente com relação à gestão administrativa das creches municipais, e tampouco influenciar na escolha de imóveis ou avaliação destes pelas organizações sociais para o uso específico de creches conveniadas pela municipalidade".

Disse ainda que "surgindo novos elementos", o procedimento poderia ser desarquivado.

Nesta terça, vereadores de oposição também afirmaram que o prefeito deve explicações sobre ter recebido de empresa investigada na máfia das creches, conforme aponta investigação policial.

Para o vereador Toninho Vespoli (PSOL), "a sociedade está esperando uma explicação" sobre a questão dos valores.

Crítico do modelo conveniado de creches, ele afirma que o atual prefeito nunca escondeu sua proximidade com as entidades que gerenciam os esses locais, o que ele diz ver com preocupação. "Eu vejo no mínimo um conflito de interesses. Como vereador, se uma das funções é fiscalizar o Executivo, como você vai fiscalizar as creches que tem conveniamento [se está ligado a elas]?", diz Vespoli.

Vespoli pertence ao mesmo partido de Guilheme Boulos, que perdeu no segundo turno para Bruno Covas (PSDB), que morreu vítima de um câncer. Em suas redes, o líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) escreveu: "Nós avisamos em 2020".

O psolista chegou a propôr uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre as creches conveniadas na cidade, mas diz que não conseguiu assinaturas para levar a apuração adiante.

Líder do PT, o vereador Eduardo Suplicy disse em plenário ter lido a reportagem e também pediu explicações. "O prefeito reconhece os repasses, mas informa que eles não são ilícitos. Avalio que seja importante que possa esclarecer as razões desse pagamento", afirmou.

Na Câmara, entre aliados e mesmo vereadores normalmente críticos ao prefeito, o clima era de silêncio e de espera sobre o desenrolar das investigações.

Nesta terça, após a revelação da reportagem, o prefeito não participou de entrevista coletiva sobre preparativos para o Carnaval de 2022. Geralmente, Nunes costuma participar de eventos do tipo.

Conforme documento da Justiça Federal obtido pela Folha, a análise da quebra de sigilo bancário pela polícia paulista constatou que, em fevereiro de 2018, ele recebeu, da empresa Francisca Jacqueline Oliveira Braz, dois cheques no valor de R$ 5.795,08 cada um.

Ainda de acordo com o documento, a empresa também enviou outros R$ 20 mil à Nikkey Serviços S/S LTDA, companhia de controle de pragas em nome da mulher do prefeito, Regina, e de uma filha dele de relacionamento anterior, Mayara.

A empresa Francisca Jacqueline é apontada pela polícia como uma grande ‘noteira’ (fornecedora de notas) do esquema. Somando créditos e débitos, ela movimentou mais de R$ 162 milhões com entidades gestoras das creches que levantam suspeita de fraude, diz documento.

Ela também era uma das fornecedoras da Acria (Associação Amiga da Criança e do Adolescente), entidade que gere creches conveniadas da Prefeitura de São Paulo com a qual Nunes tem proximidade. O atual prefeito e ex-vereador disse ser voluntário da entidade e conhece alguns de seus membros há vários anos.

Segundo policiais civis ouvidos pela reportagem, como a investigação foi suspensa tão logo a quebra de sigilo indicou o possível envolvimento do prefeito no esquema, não é possível dizer se houve ilegalidade ou não nos repasses. Só com a apuração da Polícia Federal isso poderá ser esclarecido.

Procurado para esclarecer os repasses identificados na investigação, Nunes enviou uma nota por meio de sua assessoria. Ele não nega os repasses.

"O prefeito Ricardo Nunes, por meio de seus advogados constituídos, esclarece que, embora não tenha sido intimado para prestar esclarecimentos atinentes ao caso em voga, assim que soube da existência das investigações requereu acesso ao procedimento com intuito de auxiliar as autoridades na apuração dos fatos, o que se dará a partir da apresentação dos esclarecimentos à autoridade policial."

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