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Grupo de vice de Covas usa verba da prefeitura em lojinhas suspeitas na máfia das creches

Ligada a Ricardo Nunes, Acria administra creches conveniadas e contrata empresas investigadas; campanha não comenta

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São Paulo

A entidade gestora de escolas infantis ligada ao vice na chapa de Bruno Covas (PSDB), o vereador Ricardo Nunes (MDB), utilizou recursos recebidos dos cofres públicos municipais para pagar empresas investigadas na máfia das creches e também a uma dedetizadora pertencente à família do vereador.

Conforme a Folha revelou, Nunes é próximo de entidades gestoras de creches e também de fornecedores delas, que são seus indicados políticos na Prefeitura de São Paulo.

A reportagem identificou que, entre as empresas que recebem as verbas públicas repassadas pelo grupo do vice da chapa de Covas, há lojinhas localizadas a até 65 km de distância das creches, parte delas investigada por suspeita de serem de fachada e com ligações de parentesco entre si.

Na prestação de contas oficial, elas recebem repasses de milhares de reais em troca da venda de produtos às unidades conveniadas com a prefeitura —apesar do porte modesto e de inconsistências em alguns casos, como um açougue que aparece como fornecedor de material pedagógico.

A Polícia Civil apura a suspeita de que entidades responsáveis pelas escolinhas e escritórios de contabilidade utilizem empresas de fachada em nome de laranjas para emitir guias frias ou superfaturadas, desviando repasses municipais.

A prefeitura envia dinheiro para as entidades conveniadas, que, com ele, deveriam pagar despesas como aluguel, alimentação, material pedagógico e funcionários, entre outros. No entanto, segundo apuração policial, escritórios de contabilidade são suspeitos de coordenar um esquema que desvia desde encargos trabalhistas de funcionários até verba para alimentação das crianças.

Um dos escritórios investigados é o Fênix Assessoria Contábil, que em setembro foi alvo de busca e apreensão por parte da Polícia Civil. Segundo os investigadores, embora não conste no CNPJ da empresa, a responsável pelo escritório é Rosângela Crepaldi.

A Acria (Associação Amiga da Criança e do Adolescente), ligada ao vereador Ricardo Nunes, é cliente da Fênix.

A presidente da entidade, Elaine Targino, chama Nunes de “chefe” nas redes sociais, o que, segundo ela, é um lapso devido ao tempo que trabalhou com ele. Nunes, por sua vez, afirma ser apenas voluntário desta entidade, entre outras.

O vice na chapa de Covas também conhece Rosângela. Em junho de 2018, ele participou de evento na Câmara Municipal, na mesma mesa de Rosângela e seus familiares, para falar sobre o terceiro setor. Também posou para fotos com o grupo.

A Acria tem como seus fornecedores ao menos outras cinco empresas investigadas no caso da máfia das creches que seriam ligadas à Fênix, segundo a polícia. Investigadores suspeitam que o escritório use pessoas jurídicas em nome de laranjas para emissão de notas frias ou superfaturadas.

As tais empresas são colocadas em nomes de pessoas que trabalham ou trabalhavam na Fênix, além de seus parentes, segundo verificou a polícia. São pequenos comércios de bairro, que atuariam para várias creches como fornecedoras, o que despertou suspeitas na polícia.

Enquanto as creches da Acria ficam no extremo sul, esses fornecedores ficam do outro lado da cidade, na zona leste, mesma região do escritório da Fênix. Em alguns casos, a distância entre as creches e os fornecedores é de 65 km.

A reportagem esteve nos locais nesta semana. A loja Divanilda Alves da Costa é uma pequena venda, no Jardim São Paulo, zona leste, que consta da prestação de contas da entidade como fornecedora de alimentos às creches. A proprietária, de mesmo nome da empresa, é mãe de Paula Raquel Alves da Costa —que consta como proprietária da Fênix e é casada com o filho de Rosângela, Bruno.

Paulo Costa, marido de Divanilda, afirmou que costumava fazer distribuição para creches, sem citar quais, mas que parou após levar calotes. “Parece pequeno olhando da frente, mas o prédio é grande. Tem um espaço lá atrás”, disse, levando a reportagem a um quarto nos fundos, onde não havia produtos.

Na prestação de contas da Acria, há várias compras de milhares de reais em alimentos neste comércio, onde a reportagem não conseguiu comprar nem sequer um chocolate porque havia acabado.

A reportagem também passou no endereço que consta da matrícula da empresa Pedro Gabriel Oliveira Braz, que consta na Junta Comercial como uma loja de roupas. Localizada em Guarulhos (Grande SP), trata-se de uma pequena loja, que estava fechada quando a reportagem passou por lá na última segunda-feira (26). Segundo vizinhos, quando está aberto é uma vendinha.

A reportagem também notou algumas inconsistências na prestação de contas em relação a essas empresas. Por exemplo, em uma prestação de contas da Acria, a empresa Cleyson Gino, um açougue, aparece aparece ao lado da palavra "pedagógico".

A empresa Príncipe Distribuidora, de Willian Crepaldi, irmão de Rosângela, aparece como fornecedora de alimentos em outra prestação, mas em sua matrícula consta como atacadista de produtos de armarinho, papelaria, equipamentos elétricos e de informática. No local, uma loja de pequeno porte no Brás, a reportagem encontrou predomínio de materiais de limpeza à venda.

Outra empresa que aparece com frequência na prestação de contas da Acria é a empresa Francisca Jacqueline Oliveira Braz, que também foi alvo de operação da polícia em setembro. A proprietária da loja é mãe de Pedro Gabriel, outro fornecedor.

A loja dela fica na avenida Águia de Haia, na zona leste, a poucos metros do escritório Fênix.

Fora do âmbito das empresas investigadas na máfia das creches, a Acria também tem como prestadora de serviços uma empresa da família do próprio Nunes, a Nikkey Serviços, conforme noticiou o jornal O Estado de S. Paulo.

A reportagem da Folha também teve acesso a notas fiscais da empresa, que está em nome da mulher de Nunes, Regina Carnovale, e é sediada em Embu-Guaçu, na Grande São Paulo.

A assessoria de Nunes não quis enviar informação à Folha, mas afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que houve 25 pagamentos, no total de R$ 50.098, a oito creches da Acria.

A reportagem também encontrou outras empresas ligadas ao grupo político de Nunes como fornecedoras da Acria.

Vereador busca se desvincular, e associação diz que não conhece investigação

Procurada, a campanha de reeleição do prefeito Bruno Covas (PSDB) informou que não vai se posicionar.

A assessoria do vereador Ricardo Nunes disse à Folha que "tudo o que foi dito já está na matéria do Estadão", em referência à reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Ao veículo a assessoria afirmou que a "Acria não é chefiada por aliados do vereador" e que "é uma entidade sem fins lucrativos fundada em 2007, período em que [Nunes] não era vereador, e desenvolve trabalhos sociais na zona sul".

"A relação do vereador com a entidade se deve pelo trabalho social que tem com dezenas de entidades”, diz a reportagem.

Em posicionamento anterior sobre a Acria enviado à Folha no último dia 15, Nunes afirmou que tem "forte atuação junto às entidades, às associações, comerciantes, comunidades" da zona sul por ser de lá.

"Esse é meu vínculo e, naturalmente no meu vínculo, tenho as relações de amizade, trabalho, associativismo como qualquer pessoa tem as suas relações nos seus grupos sociais. Essas relações não interferem no papel de vereador, que tem entre suas principais funções a de fiscalização."

A diretora da Acria, Elaine Targino, disse que não tem conhecimento de que as empresas citadas foram alvo de investigação. "Elas foram contratadas porque ofereciam menor preço e prestavam serviço para algumas entidades da região. Nunca tivemos problemas com preço, entrega e qualidade dos produtos contratados", afirmou.

"Em relação à Contabilidade Fênix, eles iniciaram a prestação de serviço para a Acria em 2018, quando nos procuraram, oferecendo o menor custo benefício. Visando a redução de custos, fizemos a contratação, mantendo uma relação exclusivamente profissional com a sra. Rosangela Crepaldi [responsável pela Fênix]."

A reportagem entrou em contato com a Fênix e pediu para falar com Rosângela diversas vezes, mas não foi atendida. Ela não retornou o recado deixado com a atendente da empresa.

Divanilda Alves da Costa, dona de empresa com o mesmo nome e contratada como fornecedora da Acria, parou de responder a mensagens depois que a reportagem se identificou. Francisca Jacqueline também não quis falar com a Folha. Pedro Braz, Cleyson Gino e Willian Crepaldi não atenderam aos telefonemas feitos pela reportagem.


Quem é Ricardo Nunes (MDB)

  • Vereador desde 2012
  • É membro da bancada religiosa da Câmara
  • É ligado a empresas que administram creches conveniadas da prefeitura
  • Foi acusado em 2011 de violência doméstica, mas hoje esposa nega agressões
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