Descrição de chapéu Mobilidade Natal

Papai Noel conta com logística alucinante para aparecer na noite de Natal

Carros têm de 20 a 30 minutos para pular de um endereço a outro pela ruas da cidade

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São Paulo

Como o Papai Noel consegue atravessar o planeta inteiro em uma única noite? De onde vem a força capaz de fazer as renas carregarem pelos ares um trenó tão cheio de presentes? É guiado pelas estrelas, pela memória ou por GPS? Aquilo que é um mistério para as crianças não deixa de ser um desafio para adultos. Mesmo que o universo seja só São Paulo e que a charrete alada vire um prosaico carro com motorista circulando por ruas e avenidas, fora do mundo de faz de conta.

Quem contrata um Papai Noel para alegrar a ceia de Natal e distribuir os presentes pode até não saber, mas, de forma geral, existe uma intricada logística para colocá-lo na sua casa, no horário programado. Tudo em um ritmo alucinante.

Responsável pela Cia do Noel, Aline Carcelle já tem programadas aparições de 50 deles na noite de Natal. Cada um deve visitar 7 ou 8 famílias, o que dá, no total, um vaivém entre 350 e 400 endereços pela cidade em cerca de seis horas. São 30 minutos de apresentação e mais 30 para se deslocar entre um lugar e outro. "Normalmente, a gente coloca numa mesma região. Ele anda, no máximo, 7 km entre uma casa e outra", conta.

Dois homems em pé, um deles vestido de Papai Noel, conversam frente à frente
Paulo Mendes, responsável pela Companhia do Bafafá, orienta o Papai Noel Airton Sandri antes de visita a evento - Gabriel Cabral/Folhapress

Carcelle conta que todos os seus noéis são acompanhados por um segundo ator, que pode ser uma mamãe noel ou um duende. "Dentro da nossa logística, o acompanhante já tem essa função de dirigir o veículo. São atores que têm carro, recebem antes um papel com nome e endereço de cada cliente", explica.

De um "QG", a movimentação é monitorada e qualquer imprevisto é informado em um telefone de plantão. "A gente tem também papai noel e acompanhante de stand by para situações como um pneu que furado ou, Deus nos livre, um acidente", afirma Carcelle.

Responsável pela Companhia do Bafafá, Paulo Mendes vai coordenar as visitas de 33 papais noéis a mais de 200 clientes só no dia 24. "Temos uma central que cuida só disso. A gente vai pegando por bairros. Como temos clientes fixos, as listas se repetem anualmente", afirma.

Os motoristas também costumam ser os mesmos. "Eles adoram passar o Natal com o Papai Noel", diz. Esse entrosamento costuma ser fundamental. Geralmente, é o condutor quem controla o tempo de visita, de 20 minutos, e, por código, avisa que chegou a hora de ir embora. Vinte minutos depois, a dupla tem que estar em outra casa.

Para evitar lentidão, dois dias antes os prédios ou condomínios já recebem RG, CPF, placa do carro e a orientação para liberar a entrada do motorista e do Papai Noel. "A gente coloca isso como uma condição de atendimento, senão gera perda de tempo, que será descontado do tempo de visita", explica Mendes.

Integrante da trupe de papais noéis comandados por Mendes, Airton Sandri, 65, conta que é fundamental ter um motorista ao lado para exercer da melhor forma o seu papel natalino. "A gente não pode se preocupar, tem que focar o evento dentro das residências. O motorista é quem sabe em quais casas vamos passar, no tempo dele", diz. "A logística por trás é muito grande. Não é colocar dentro do carro e falar 'vai embora'. Tem que monitorar o tempo todo o percurso", explica.

Já tem uns dez anos que Vailton Ferreira de Brito, 52, é motorista de Papai Noel. Durante o ano inteiro, ele trabalha como porteiro, mas chega no dia 24 e se transforma no responsável por conduzir o velhinho. "A família reclama bastante por não passar a noite em casa, mas a gente dá sempre um jeito. Não é nem pelo dinheiro, mas pela festa mesmo", conta. "O pessoal já aguarda a gente com aquela alegria. A molecada fica bem feliz."

Para não ter problema, Brito mantém o carro com tudo em cima para não deixar Papai Noel na mão. "Faço sempre uma revisão antes. Motor, água, óleo, pneu, tudo para não dar errado", diz.

Há mais de 30 anos no ramo, Dalva Bellany já foi fada, mamãe noel e todo tipo de personagem natalino. Hoje, cuida da Meu Papai Noel, que terá neste ano cinco equipes —um número reduzido como resquício da pandemia, afirma. Ela conta que a logística é cuidadosa para evitar imprevistos, coisas que de fato acontecem.

Um dos noéis comandados por Bellany foi certa vez animar o Natal em um evento em Embu das Artes, na Grande São Paulo. Mas caiu um temporal e, sem a capacidade de voar com o trenó, como na fantasia, perdeu as demais visitas da noite. "Não conseguiu voltar. Ele ficou preso numa enchente. Os noéis que estavam em São Paulo tiveram que fazer as casas onde ele iria."

Nem todos os papais noéis, porém, terão motorista particular neste ano e o motivo é a crise econômica. Para não encarecer ainda mais o cachê a ser cobrado dos clientes, alguns deles já têm assumido o volante durante eventos em dezembro, o que deve se repetir na noite de Natal.

"Em tempos de pandemia, nossa logística foi alterada, e os nossos eventos têm sido feitos, com os próprios noéis se locomovendo com seus veículos. Muitas vezes, até tendo de dirigir entre municípios distantes um do outro, sozinhos. Quando dão alguma sorte, conseguem alguém da família para os ajudar. Caso contrario, é na raça mesmo", conta Renato Souza, 71, que administra a Papai Noel Oficial —ele próprio é um dos cinco velhinhos.

Segundo Souza, anteriormente alguns motoristas de aplicativo já conhecidos cumpriam a função de levar os papais noéis de um lugar a outro. "Mas neste fim de pandemia tem tido muita procura e os valores não podem ser ajustados para cobrir esse tipo de despesa, o que sacrifica ainda mais o Noel", explica.

Domingos José Pereira Junior cuida da Apogeu Eventos e interpreta Papai Noel também há mais de 30 anos. "Antigamente não tinha GPS. Tirava xerox do guia e fazia todo o percurso por ali. Marcava casa 1, casa 2, casa 3... Colava os mapas para fazer o caminho certinho", diz.

Pereira Junior diz que, na noite do dia 24, é comum encontrar os noéis dentro dos carros nos cruzamentos da cidade. "Você dá tchau e segue em frente", conta.

Para ele, porém, tem uma situação em especial que desperta o mais genuíno espírito natalino. Nesses mesmos semáforos, costuma cruzar com crianças que, ao ver a fantasia materializada ali na frente, estendem a mão. E Papai Noel não pode fingir que não viu. "Deixo sempre comigo um pouquinho de bala, alguma coisa para dar aquela atenção. Sou muito emotivo."

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