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Gestante é presa em suposta clínica de aborto em Higienópolis, em São Paulo

Médico com registro profissional cassado e secretária foram detidos, e local, interditado

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São Paulo

A Polícia Civil interditou no fim da tarde de quarta-feira (16) uma suposta clínica de aborto em Higienópolis, na região central paulistana, após receber uma denúncia anônima. Três pessoas que estavam no local acabaram presas, entre elas um gestante de 25 anos.

Inicialmente, segundo a polícia, a secretária do estabelecimento disse que ali funcionava uma clínica de acupuntura. Mas, na sala de espera, havia a acompanhante de uma jovem de 25 anos que disse que ela estaria ali para ser submetida a um aborto.

A polícia, então, entrou no consultório, onde se deparou com a jovem parcialmente despida e sedada.

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No Brasil, o aborto é permitido somente em casos de estupro, risco para a mãe e anencefalia do feto - Adobe Stock

Depois, ao acordar da sedação, ela disse à polícia estar grávida há 16 semanas e que pagou R$ 4.000, via Pix, para Nelson Takara Uchimura, que supostamente faria o procedimento.

Uchimura, por sua vez, afirmou à polícia que a submeteria a um procedimento de acupuntura e que desconhecia a prática de aborto.

No site do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), consta que o registro profissional dele foi cassado em 2004.

Procurada, a entidade disse que ele não tem uma especialidade registrada. Seu advogado, Gildasio Marques Vilarim Junior, também não soube informar qual era a especialidade de Uchimura antes de ter tido o registro cassado.

O delegado Percival de Moura Alcântara Júnior disse que Uchimura tem passagens pela polícia desde os anos 1980 por exercício ilegal da medicina. De acordo com o policial, a gestante passa bem.

Nesta quinta (17), os três detidos passaram por uma audiência de custódia. A gestante foi solta. Uchimura e a secretária permaneceram presos.

No Brasil, o aborto é permitido somente em casos de estupro, risco para a mãe e anencefalia do feto. Nos demais casos, é crime.

O aborto pode ser classificado em quatro artigos: no 124, para o caso de provocar aborto em si mesma ou consentir que outra pessoa o faça; no 125, para aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante; no 126, para aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante; e no 127, para casos em que há lesão corporal ou morte da gestante em consequência do aborto provocado.

No caso da jovem detida, foi considerado pela polícia que o procedimento ocorreria com o consentimento dela. Com isso, o boletim de ocorrência foi registrado com base no artigo 126.

Gildasio Marques Vilarim Junior diz que a prisão é injusta, pois, segundo ele, Uchimura praticava acupuntura na jovem.

"Como ele tem outros processos sobre esse assunto, acabam confundindo e pensando que ele atua nesse meio ilícito", afirmou Vilarim Junior. De acordo com ele, a sedação na paciente ocorreu "porque a acupuntura pede em alguns casos".

A Folha não conseguiu contato com a advogada da gestante. A advogada da secretária não quis comentar o caso.

Antropóloga e professora da UnB (Universidade de Brasília), Débora Diniz considera que o caso pode ser classificado como abuso de poder por parte da polícia.

"Há uma invasão de espaço que a polícia não pode entrar só com uma denúncia anônima. A confissão foi feita sob intensa fragilidade da vítima", afirmou ela. "O que se encontra ali é uma cena que impõe a essa mulher amarrada na maca, nas mãos e nas pernas, um dever de confissão."

"Esta é apenas uma cena dramática da criminalização do aborto no Brasil. [A mulher] está um lugar em que o médico não é médico, que se diz acupunturista e está fazendo um procedimento do qual não se tem nenhuma precisão médica", acrescentou ela. "Isso representa a exploração da criminalização do aborto, uma vez que R$ 4 mil é muito dinheiro."

Gabriela Rondon, advogada e pesquisadora na Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero), afirmou que o caso é uma "tragédia provocada pelo próprio Estado". "Mulheres se colocam em risco, pois, além da saúde, há o risco da punição​."

"O primeiro efeito da criminalização é gerar esse tipo de oferta deste serviço na clandestinidade que já é problemático", afirmou Rondon, que vê a situação como um reflexo do Estado que trata um assunto referente à saúde como um caso de polícia. "Não deveria ser tratado como um assunto policial e isso gera toda essa camada de desamparo a esta mulher."

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