Blocos de Carnaval podem desfilar em SP se bancarem infraestrutura, diz prefeito

Ricardo Nunes afirma que gestão garante direito de expressão cultural, mas é preciso 'conscientização sobre o risco da vida'

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São Paulo

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), disse nesta terça-feira (5) que o Carnaval de rua pode ocorrer na capital paulista durante o feriado de Tiradentes desde que os blocos tenham condições de bancar a sua infraestrutura.

Para Nunes, os grupos precisam arcar com segurança, gradil, médicos, plano de emergência e rota de fuga. "Não é possível que tenhamos blocos de carnavais que incentivem as pessoas à rua sem gerar o mínimo de estrutura que possa garantir a segurança para as pessoas", afirmou.

"Todo direito de expressão cultural vai ser garantido, mas é preciso uma conscientização sobre o risco da vida das pessoas", disse ele durante uma visita à UPA Jardim Santa Helena, na zona leste da cidade.

O prefeito justificou que essa organização precisa ser feita pelos blocos porque não há mais tempo hábil para que a prefeitura organize o evento. Segundo Nunes, a administração, porém, está aberta ao que "puder ajudar, do ponto de vista de dar alguma infraestrutura".

De acordo com o prefeito, o secretário de subprefeituras, Alexandre Modonezi, vai se reunir com a direção dos blocos "para entender o que podemos fazer", mas que até o momento a gestão municipal não sabe "o tamanho que eles [blocos] estão planejando" para a festa.

Foliões fantasiados se reúnem em boteco na rua Carijo na Água Branca para bloco improvisado, em fevereiro de 2022
Foliões fantasiados se reúnem em boteco na rua Carijo na Água Branca para bloco improvisado, em fevereiro de 2022 - Rubens Cavallari/Folhapress

"O problema é que são menos de 30 dias e é uma estrutura muito grande. Estamos abertos a dialogar e contribuir, podemos tentar fazer algo razoável com o tamanho de estrutura que a gente possa oferecer. Precisamos fazer isso junto e não separado", disse Nunes.

Quanto à segurança, Nunes afirmou ainda que os blocos de rua precisam de uma autorização da Polícia Militar para desfilar. "Entendo que seria difícil se eles não apresentarem um plano de segurança para o público."

Procuradas, a PM informou, por meio de nota, que está realizando reuniões entre o comando e a Prefeitura de São Paulo para as tratativas referentes ao feriado, "sendo que até o momento não há mais informações a respeito que possam ser repassadas". Já a Secretaria de Estado da Segurança Pública não respondeu, até a conclusão da reportagem, se há planos para essas atividades.

A fala do prefeito vem um dia após seis coletivos, que representam cerca de 420 blocos de rua, divulgarem um manifesto em que firmam a intenção de desfilar no feriado de Tiradentes, mesmo que sem o apoio da prefeitura. ​

"Nossa festa vai tomar forma e acontecer nas ruas, esquinas, vielas e praças de nossa cidade como sempre aconteceu", diz a carta. O manifesto afirma também que, na visão dos blocos, a lei está a seu favor, uma vez que "a garantia da manifestação livre é um direito constitucional".

Nesta segunda-feira (4), após a divulgação do texto dos grupos, a Prefeitura de São Paulo havia dito que o Carnaval de rua estava cancelado desde o início do ano e que esse decreto permanecia em vigor.

Depois da fala de Nunes nesta terça, as entidades do Carnaval de rua de São Paulo contaram, por meio de nota, que, até o início da noite, não foram procuradas pelo secretário Alexandre Modonezi.

"Estamos disponíveis para dialogar e construir a garantia de nosso direito à manifestação. Faltam apenas dez dias úteis até a festa começar e não conseguimos entender qual é a dificuldade em construir com diálogo, diversidade e democracia."

Nesta terça, Nunes disse ainda que os blocos "estão pressionando porque estão tendo eventos privados, como no [vale do] Anhangabaú, mas que terá limitação pública", em referência a uma festa organizada pelos Acadêmicos do Baixo Augusta para o dia 24 de abril. O evento do grupo exigirá a apresentação de ingresso, gratuito, que deve ser retirado em um site.

Na capital, o entorno do Monumento às Bandeiras, na região do parque Ibirapuera, também terá apresentações do coletivo Pipoca nos dias 23 e 24 de abril. O grupo reúne nomes como Elba Ramalho, Monobloco, Orquestra Voadora, Geraldo Azevedo e Luedji Luna.

Para esse evento, também será exigida a apresentação de ingresso, gratuito e com limite de público.

Na hipótese de a Prefeitura de São Paulo terminar por não apoiar a realização do Carnaval de rua fora de época, a existência da festa preocupa alguns advogados, enquanto outros acreditam que as entidades têm respaldo jurídico para fazer eventos públicos durante o feriado prolongado.

Professor de direito administrativo da Faculdade de Direito da USP, Vitor Rhien Schirato avalia que a rua é um bem público, cuja finalidade é a locomoção.

"Quando se usa a rua para outra finalidade, o que está sendo usado é a destinação da rua. Por isso, é necessário um instrumento jurídico que permita fazer esse uso", diz Schirato.

Ele afirma que considerar o desfile de blocos nas ruas como direito de manifestação não é uma construção óbvia. "Na minha visão, teria que expandir muito a ideia de direito de manifestação para incluir bloquinho." Como comparação, o professor lembra que shows ao livre precisam de autorizações prévias da prefeitura para acontecer.

Porém, ele pondera que, se durante o feriado de Tiradentes haverá desfiles de escola de samba no sambódromo do Anhembi, a justificativa da prefeitura para a não realização de festas nas ruas é mais frágil.

"O motivo invocado pela prefeitura, baseado em um decreto de 40 dias atrás, também não me parece razoável. Ou não tem Carnaval para ninguém ou todo mundo vai poder usar."

Antonio Cecilio, professor de direito administrativo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, no entanto, dá a razão à prefeitura e afirma que se trata de uma ilegalidade que os blocos de rua tomem as ruas sem apoio da gestão municipal.

Ele relembra o decreto assinado pelo então prefeito de São Paulo Bruno Covas, em 2019, que determina que os eventos de cunho carnavalescos precisam de uma autorização específica da prefeitura para acontecer.

"Sem isso, a utilização do bem público termina acaba sendo ilegal e eles podem sofrer sanções por isso, como ficar suspensos por uma temporada. Além disso, também é possível a aplicação de outras sanções", afirma. "Na minha interpretação, sendo ou não o feriado oficial de Carnaval, a utilização do bem público para esta finalidade tem que ser autorizada."

Cris Oliveri, advogada e consultora para arte e cultura, analisa que as pessoas à frente dos blocos têm responsabilidade sobre a segurança das pessoas.

"Quando eles dizem que vão para as ruas de qualquer maneira, estão assumindo a segurança. É preciso garantir a segurança, a limpeza desse espaço público. O que pode acontecer é que, em vez de os serviços trabalharem na previsão, vão trabalhar na emergência", diz Oliveri.

A advogada afirma, porém, que é a favor do Carnaval e que, depois de dois anos de pandemia, é natural que as pessoas queiram festeja na rua.

"Carnaval de rua é democrático, mas precisa ser uma construção entre o cidadão, blocos e prefeitura, porque se não é um risco as pessoas. É preciso ver o que a prefeitura pode viabilizar no prazo que tem, para que seja uma festa para que as pessoas se divirtam em segurança."

Já o advogado Ivan Borges Sales diz que, independentemente de perigos, existe o direito dos blocos de irem para a rua. "Temos uma Constituição que dá base aos direitos e existe uma lógica de que há garantias constitucionais que não podem se submeter a decretos", afirma.

"Existe substrato constitucional para garantir os blocos de irem para a rua, sim. Vai ter Copa do Mundo no fim do ano. Se o Brasil ganhar um dia, vai ter Carnaval por um dia. Ou a prefeitura vai baixar um decreto proibindo manifestação na rua?", exemplifica.

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