No fim da tarde do último dia 7 de abril, o mestre Tadeu pegou o surdo e, como de costume, pôs uma multidão para cantar sambas consagrados da Vai-Vai, escola do Carnaval de São Paulo. Seria mais um dia comum na vida do baluarte, não fosse o local inusitado: o velório do cemitério do Araçá. Era uma homenagem à Cleuzi Penteado, que havia morrido na véspera, aos 85 anos.
Tia Cleuzi foi a matriarca de uma geração de sambistas da escola 15 vezes campeã do Carnaval paulistano. Durante 54 anos, ela comandou o Vai-Vai do amanhã, a ala infantil da agremiação do Bexiga.
Segundo o irmão Fernando Penteado, 75, Cleuzi começou a desfilar pela Vai-Vai aos cinco anos de idade. E pode ter nascido aí sua relação com as crianças. O Vai-Vai do amanhã, lembra ele, que atualmente está à frente da direção cultural da escola, nasceu em 1968, quando reis, rainhas e princesas desfilavam pela corte mirim do ainda cordão.
O trabalho ganhou fôlego ao longo dos anos e cresceu, assim como a Vai-Vai, que passou de cordão à escola de samba em 1972.
Em entrevista à TV Folha, em 2017, Tia Cleuzi lembrou que já chegou a comandar mil crianças em um desfile. Ultimamente eram no máximo 150, com idades de 6 e 12 anos —a partir daí passam para o grupo de adolescentes da escola.
"Aqui é tudo no chão, é poeira, é favela", afirmou a sambista, para dizer que suas crianças não saiam em carros alegóricos.
Para fazer parte da turminha da Tia Cleuzi era preciso ter boas notas na escola —quem não passasse de ano não desfilava no Carnaval.
Também era necessário ter "sangue do Bexiga" nas veias, dizia ela, que durante boa parte da vida morou no coração da Bela Vista, entre as ruas Manoel Dutra e 13 de Maio, até se mudar para a zona sul da capital.
"A bateria é o coração da escola, vocês são o sangue, e a veia artéria vai jorrar na bateria", costumava dizer Tia Cleuzi para animar as crianças.
Além do samba, era apaixonada pelo São Paulo e ficava na fila das bilheterias do estádio do Morumbi para ver os jogos do time em Libertadores.
Sempre à frente das celebrações, organizava festas juninas e o Natal da família, assim como o tradicional encontro de agosto da criançada da Vai-Vai.
Tia Cleuzi, que só não desfilou durante a suspensão do Carnaval por causa da pandemia, morreu no último dia 7, vítima de câncer. No fim de semana seguinte, a bateria tratou de fazer a justa homenagem nos ensaios da escola. Ela deixou uma filha, três netos e três bisnetos.
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