Descrição de chapéu Rio de Janeiro

Rocinha enfrenta onda de frio em meio a fome e aumento da pobreza no Rio

Sem recursos, moradores da maior favela do país dependem de doações para comer e se aquecer

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Rio de Janeiro

No alto da favela da Rocinha, zona sul do Rio de Janeiro, o frio é cortante. O termômetro marca 20°C, mas a sensação térmica na tarde desta quarta-feira (18) era bem menor e na madrugada a temperatura chegou a 11,8°C. No entanto, nas áreas mais pobres da maior favela do Brasil, há quem não disponha nem de janela coberta para deixar o frio no lado de fora.

É o caso de José Bento Vital, 58, que não tem fonte de renda fixa e tenta se aposentar por invalidez em razão de um problema causado por varizes nas pernas.

Ele mora em um quarto sem energia elétrica e água encanada na localidade conhecida como Laboriaux, na parte alta do morro. O imóvel tem o chão tomado por diversos objetos, como pneus, latas e ferros, que ele tenta vender para a reciclagem em troca de algum dinheiro.

Homem posa para foto. Atrás dele, há uma pilha de objetos
José Bento Vital, 58, em sua casa na região do Laboriaux, na favela da Rocinha, no Rio - Eduardo Anizelli/Folhapress

"Desde quinta-feira (12) passada tem feito frio e ainda tem a ventania. Aqui em cima venta muito, então o frio acaba dificultando mais as coisas", diz ele, sentado ao lado do batente de uma janela sem qualquer proteção a não ser por um pano fino por onde a friagem entra facilmente.

A porta também está quebrada e não garante a vedação do imóvel. "Para me proteger do frio durante a noite, eu uso os cobertores doados pela igreja", explica ele.

Esses não são os únicos itens que ele consegue por meio de doações. Durante a entrevista, Vital aponta para o teto, onde está pendurado um varal com calças e agasalhos que recebeu da igreja. "Essas doações representam muito para mim", diz ele, que também precisa de doações para se alimentar.

A casa até tem botijão, mas o gás acabou. Sem dinheiro, Vital não consegue comprar outro botijão para cozinhar. A única forma de manter a barriga cheia é pegar doações em igrejas, pensões e feiras. "Mas eu não consigo me alimentar bem. Eu vendo o almoço para comprar a janta. Às vezes, eu só como pão com mortadela. Já passei de dois a três dias sem ter nada para comer."

O pastor Jorge Grutt, 55, é uma das lideranças que ajudam pessoas em vulnerabilidade social a terem o que comer durante as noites frias da Rocinha. Ele conta que conhece na pele as dificuldades impostas pelo frio e pela pobreza. "Eu já passei por todas essas questões. Hoje, eu me coloco no lugar das pessoas que passam por isso. Eu sei o que é dormir sem coberta, dormir com frio e com fome."

O pastor diz ainda que essa onda de frio tem sido particularmente dura às pessoas que têm problemas respiratórios. "Aqui é muito gelo. Eu tenho visto que os moradores precisam das autoridades e das pessoas que podem ajudar. As famílias carentes estão precisando de muita ajuda aqui. Tem que olhar mais para a comunidade."

Mulher posa para foto em um quarto com geladeira e uma pia ao fundo
Adriana Araújo de Souza, 51, moradora do Laboriaux, na Rocinha - Eduardo Anizelli/ Folhapress

Maior favela do Brasil, com 25.742 domicílios, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a Rocinha é controlada pelo tráfico e marcada pela vulnerabilidade socioeconômica.

De acordo com dados da prefeitura, o IDS (Índice de Desenvolvimento Social) da comunidade é de 0,533. Para se ter uma ideia da disparidade, esse mesmo índice chega a 0,819 na Lagoa, bairro de classe média alta vizinho à Rocinha.

Os dados foram feitos com base no último censo do IBGE, divulgado em 2010. O IDS leva em conta indicadores como acesso a saneamento básico, qualidade habitacional e grau de escolaridade.

Por meio de nota, a Secretaria de Assistência Social disse que, para as famílias vulneráveis de favelas, há centros de apoio espalhados pela cidade que fornecem roupas e calçados de frios, cobertores, mantas e toucas. Essas peças estão sendo doadas pela sociedade civil desde terça-feira (17).

"Também estão sendo licitadas 55 cozinhas nas favelas, dentro do programa Prato Feito Carioca que, a partir de junho, servirão refeições para pessoas em situação de extrema pobreza."

Além disso, a pasta diz ter antecipado em um mês a campanha do agasalho para receber doações em três centros municipais. A ideia é disponibilizar nesses espaços alimentação, água e itens para combater o frio, como roupas, calçados e cobertores.

A poucos metros da casa do pastor Jorge, Adriana Araújo de Souza, 51, catava latinhas e garrafas em uma pilha de lixos. Desempregada, ela mora com outras quatro pessoas em um imóvel de dois cômodos —um quarto e um banheiro.

"A gente dorme todo mundo junto em uma cama só, porque não tem espaço para colocar outra no quarto. Com essa onda de frio, a gente vai levando do jeito que Deus quer, porque o frio aqui é muito forte."

Ela diz que a queda das temperaturas tem agravado problemas respiratórios em sua família. "Minha neta tem bronquite, e o quarto é bem úmido. Como a gente só tem ele para morar, tem que viver ali mesmo."

O frio também adiciona mais uma camada de dificuldade ao cotidiano da pensionista Maria de Nazaré Gama Cotta, 62. "Tudo é difícil no frio e todo mundo acaba sofrendo", diz ela, que mora sozinha em uma quitinete na Rocinha. "Eu fico mais vulnerável a doenças também, fico mais gripada. Eu não gosto do frio, me dá tristeza", diz.

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