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Hospital facilita abuso sexual ao negar direito a acompanhante, diz defensora

Segundo Paula SantAnna, as vítimas são desacreditadas e desencorajadas a denunciar a violência

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São Paulo

Hospitais têm falhado em fazer valer o direito de mulheres a acompanhantes durante o parto ou outros procedimentos, o que facilita os casos de abusos sexuais, como o estupro de uma paciente que estava dopada e passava por uma cesárea em São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Muitas vezes, as vítimas também são desencorajadas a denunciar a violência.

É o que afirma a defensora pública paulista Paula Sant’Anna, 36, coordenadora do Núcleo de Proteção e Defesa dos Direitos das Mulheres, que já atendeu casos de violência sexual que ocorreram dentro de instituições de saúde. "Em geral, estão sozinhas quando sofrem o abuso."

A defensora Paula Sant'Anna, coordenadora do Núcleo dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública de SP - Divulgação

Segundo Sant’Anna , em geral, essas vítimas têm um desafio a mais de credibilidade ao contar a um profissional de saúde que foi abusada por um colega dele. "É difícil para essa menina, para essa mulher ser acreditada, ter empatia quando conta a sua história."

Para ela, as instituições precisam ter ouvidorias e profissionais com formação nas questões de violência de gênero. "Essa mulher tem que ser informada, ao dar entrada no hospital, onde ela pode ir caso sofra algum tipo de violência, quais são os profissionais que vão atendê-la e ter a certeza de que serão observadas as questões de privacidade e intimidade."

Casos de violência sexual são frequentes em serviços de saúde? Em que circunstâncias eles ocorrem? Não temos dados sistemáticos, mas já recebemos relatos na Defensoria de mulheres que procuraram o espaço da saúde buscando um atendimento, como consultas, exames e cirurgias, e que sofreram violência sexual.

Em geral, estão sozinhas quando sofrem o abuso. Aí a gente vê que o direito a acompanhante não é cumprido de forma sistemática. Muitos desses casos demoram um tempo para chegar até nós. Há uma ausência sistemática de falta de informação do que é violência sexual, de que qualquer procedimento realizado no seu corpo precisa ser precedido de autorização.

O hospital, normalmente, não tem protocolos de atendimento para qualquer que seja a forma de violação que essa mulher sofra. Elas não sabem que têm direito a procurar a ouvidoria, a atendimento psicossocial.

Essa estrutura da violência silenciada na saúde corrobora não só na produção de violência obstétrica, mas também dessa forma mais grave de violência que existe, a sexual, num ambiente que deveria de ser cuidado, mas que nessa sociedade em que vivemos, ainda é um espaço de coisificação, de violação dos corpos das mulheres.

Quais são os principais desafios na coleta de provas em um caso de abuso sexual? São vários. Um deles é conseguir acessar o prontuário dessa mulher. Nesse documento tem que constar, por exemplo, qual motivo pelo qual foi sedada e por que foi necessária uma dose maior de sedação. Dependendo do que foi colocado pode ser um indicativo de que ali houve um procedimento sem embasamento científico.

Há mulheres que relatam que ficaram por alguns minutos desacordadas e alguém passou a mão nela. É muito importante que se registre o prontuário das mulheres a narrativa dessa violência. As mulheres têm que ser orientadas que, diante de qualquer suspeita, devem procurar os canais de denúncia, seja no hospital, na polícia, defensoria pública e nos conselhos profissionais. Isso é muito importante para prevenir outros casos.

Há algo diferencie a mulher que procura um serviço de saúde porque foi abusada sexualmente na rua ou em casa daquela foi violentada dentro do próprio hospital? Muitas vezes elas sequer são caracterizadas como vítimas de violência sexual. Justamente porque ela não sofreu essa violência na rua, ou por alguém da família, mas sim por um profissional da saúde. É difícil para essa menina, para essa mulher ser acreditada, ter empatia quando conta a sua história.

Elas têm um desafio a mais de credibilidade porque estão contando para um outro profissional da saúde uma violência que foi cometida por um colega dele, nesse mesmo espaço ou em outro similar.

A gente vê a dificuldade até para formalizar isso e fazer constar no prontuário. Muitas vezes elas são desencorajadas com o argumento de que esses profissionais, com esses saberes, nunca fariam algo nesse sentido, que elas vão afetar a carreira de uma pessoa. Ela já desmobilizada a contar a sua história no próprio ambiente da saúde e, depois, nas esferas criminais e cíveis.

O que as instituições de saúde podem fazer para prevenir casos de abuso sexual? Tem que ter ouvidorias, protocolos de atendimento com profissionais com formação nessas questões de violência de gênero. Essa mulher tem que ser informada, ao dar entrada no hospital, onde ela pode ir caso sofra algum tipo de violência, quais são os profissionais vão atendê-la e ter a certeza de que serão observadas as questões de privacidade e intimidade.

Muitas vezes, no interior, a mulher tem como referência um serviço de saúde para sempre, não existem outras opções. A mulher tem que retornar para aquele hospital para fazer outros atendimentos. Ela não pode ser revitimizada e ter o próprio acesso à saúde negado. Já ouvimos coisas do tipo: como eu vou voltar naquele hospital se eu já sofri violência?

É comum essas denúncias de abuso sexual dentro de hospitais estarem associadas ao uso de sedativos. Como ter maior controle sobre isso? A gente investe muito aqui no direito ao acompanhante. Toda mulher, menina e adolescente tem que ter direito ao acompanhante seja em um exame, numa consulta, numa cirurgia, num parto. Alguém da sua livre escolha.

Os gestores também têm que estar atentos à evidência científica. Eu li que nesse caso do Rio havia o uso a mais de sedação. Por que tanta sedação? São pontos que, minimamente, nos alerta de que os procedimentos não estão acontecendo de acordo com as diretrizes de atendimento humanizado. Toda mulher também tem o direito de ser informada sobre qualquer medicamento que vai receber. O que é, para que serve, quanto tempo vai durar o efeito?

Essas vítimas de violência sexual dentro de um ambiente que deveria protegê-las carregam uma carga de sofrimento mental extra? São mulheres que trazem relatos muito pesarosos. Muitas vezes, elas estão em momentos de muita vulnerabilidade, com problemas de saúde, e tinham expectativa de, naquele espaço, seriam cuidadas. Há uma quebra de confiança, aquele lugar se transforma em um espaço de violência.

Além de a gente encaminhar essas mulheres para serviços de psicologia e assistência social, também orientamos a buscar responsabilização penal, fazer denúncia criminal, responsabilização civil, em relação ao profissional e ao hospital. Nada minimiza a aberração desses casos, é importante tornar isso público e buscar soluções para que outras meninas e mulheres não tenham medo de procurar um hospital. Porque senão as mulheres vão deixar de procurar os serviços por medo de violência sexual e vão colocar em risco a saúde.

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