Descrição de chapéu Rio de Janeiro

Polícia confirma 17 mortes em operação no Complexo do Alemão, no Rio

Defensoria relata ao menos 20; reportagem presenciou sete pessoas sendo levadas em lençóis ou toalhas na comunidade

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São Paulo e Rio de Janeiro

A Polícia Militar e a Polícia Civil do Rio de Janeiro confirmaram ao menos 17 mortos em uma operação realizada no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, nesta quinta-feira (21). A ação durou cerca de 12 horas com intensos tiroteios, sendo finalizada por volta das 17h.

Representantes das corporações afirmaram, em entrevista a jornalistas, que esse é um balanço parcial. Os corpos ainda estão sendo identificados pela Polícia Civil. Entre as vítimas, está uma mulher de 50 anos que passava pela região de carro, ao lado do namorado.

Considerando a contagem até o momento, a operação é a quinta mais letal da história do Rio de Janeiro, segundo levantamento do Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos) da UFF (Universidade Federal Fluminense).

À tarde, a Defensoria Pública afirmou, com base em informações fornecidas por unidades de saúde da região, que havia 15 corpos na UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) do Alemão e cinco no Hospital Estadual Getúlio Vargas. A reportagem da Folha viu sete corpos sendo carregados por moradores em lonas e toalhas.

Homem é levado em lençol
Homem é carregado por moradores após operação policial no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio - Eduardo Anizelli/Folhapress

Segundo as polícias, 16 morreram em confronto.

Também morreu o cabo Bruno de Paula Costa, 38, baleado enquanto estava trabalhando, em ataque à base da UPP Nova Brasília.

Ele ingressou na polícia em 2014, era casado e deixa dois filhos com diagnóstico de transtorno do espectro autista.​

Leticia Marinho, 50, que estava dentro de um carro com o namorado, foi morta, segundo o homem, quando o veículo parou no sinal ao lado de uma viatura. Ele afirmou ao portal Voz das Comunidades que um policial atirou contra o seu carro. A vítima deixa três filhos.

A Polícia Civil diz que está investigando essa morte. Questionado se algum policial foi identificado e afastado pelo fato, o subsecretário operacional da Polícia Militar, Rogério Lobasso, respondeu que primeiro é preciso entender a dinâmica, para então tomar as medidas necessárias.

Subsecretário operacional da Polícia Civil, o delegado Ronaldo Oliveira afirmou que a polícia reage de acordo com a "ação dos marginais". "Preferia que eles não tivessem reagido e a gente tivesse prendido. Infelizmente escolheram a reação."

De acordo com ele, havia mais de 30 mandados de prisão a serem cumpridos no Alemão.

Segundo a polícia, foram apreendidos uma metralhadora .50 (capaz de derrubar helicóptero), quatro fuzis e duas pistolas. Na favela da Galinha, próxima ao Alemão, quatro homens foram presos.

A ação, que começou no início da manhã, contou com 400 policiais do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais), da Polícia Militar, e da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), da Polícia Civil. Também foram utilizados dez blindados e quatro helicópteros.

Comandante do Bope, o tenente-coronel Uirá Nascimento afirmou que a operação foi necessária porque dados de inteligência indicaram que a quadrilha poderia se movimentar e cometer ações criminosas na cidade, como invasão de outras favelas e roubo a bancos.

Segundo ele, os bandidos estavam arregimentados com fardas militares similares às utilizadas pela PM e pela Polícia Civil para cometer atentados.

A polícia afirma que criminosos do Alemão estão praticando roubos de veículos, principalmente nas áreas dos bairros do Grande Méier, Irajá e Pavuna.

Entre os roubos de carga, há registros de roubos de óleo diesel para derramar em ladeiras durante operações, para dificultar o avanço de guarnições policiais.

Coordenador da Core, o delegado Fabricio Oliveira disse que os policiais foram violentamente atacados durante a operação —ele citou vídeos que circulam nas redes sociais mostrando rajadas efetuadas contra helicópteros das forças de segurança. Afirmou, também, que os criminosos ficaram desesperados com a ação.

Oliveira disse que os traficantes utilizaram três tipos de tática para combater os policiais. Primeiro, a tática militar de espalhar barricadas com fogo, que impedem o trânsito dos veículos das polícias. Segundo, a tática de guerrilha de espalhar óleo nas ladeiras, com o mesmo objetivo.

Por último, afirmou que os criminosos estão lançando mão da tática terrorista de utilizar a população como escudo humano. Segundo ele, há registro de pedidos de traficantes para que mototaxistas e moradores simpáticos ao crime fossem às ruas fazer manifestações. "Quem se associar será responsabilizado", disse.

Questionado pela Folha sobre como diferenciar o morador que vai às ruas protestar em conluio com o tráfico daquele que protesta por vontade própria, fazendo valer seu direito como qualquer cidadão, Oliveira respondeu que, nas últimas ações, "as pessoas que vão para a rua fazer baderna são simpáticas ao tráfico".

"Basta fazer uma busca nas redes sociais. Eles falam 'morador, vamos pra pista que estão fazendo covardia com a gente'. Mas, quando vai ver os vídeos das operações, o traficante está dando tiro de rajada contra a aeronave."

O delegado afirmou que, passadas as operações, as polícias são atacadas por ONGs, por algumas instituições e por "narcoativistas" —segundo ele, pessoas que defendem os traficantes.

​Ouvidor da Defensoria, Guilherme Pimentel afirma que recebeu relatos de muitos mortos e feridos que ainda estavam na favela à tarde e não conseguiam sair do local para ser atendidos.

Mais cedo, o órgão recebeu denúncias sobre invasão de residências pela polícia e de helicópteros sendo utilizados como base para tiros. Ele afirma que moradores narraram intenso tiroteio e que eles estavam em pânico, inseguros dentro da própria casa.

Reprodução/TV Globo
Blindado circula pelo Complexo do Alemão durante operação das policias militares e civis nesta quinta-feira (21) - Reprodução/TV Globo

Nascimento, comandante do Bope, afirmou que o confronto foi muito intenso e disse que, em alguns momentos, os policiais precisaram adentrar as residências para proteger a própria vida.

Em nota, o Ministério Público do Rio de Janeiro disse que acompanhou a operação policial para a "adoção das providências cabíveis". O órgão foi comunicado da operação pela PM às 5h40.

Segundo decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), apenas operações excepcionais podem ocorrer no estado enquanto durar a pandemia. O MP-RJ disse que a análise do cumprimento da determinação ​será realizada posteriormente, com a remessa da comunicação ao promotor natural.

Clínicas de saúde tiveram o funcionamento suspenso com a operação. Moradores com quem a reportagem conversou relataram que se trancaram em casa e perderam o trabalho com medo dos disparos.

À tarde, em frente a uma UPA, o clima era de consternação e desamparo entre familiares das vítimas mortas.

As famílias não quiseram dar entrevistas. No final da tarde, a mulher de um dos feridos pela manhã ainda aguardava uma ambulância para que o marido fosse transferido.

Uma mulher, que não quis se identificar, disse que o marido dela foi baleado na porta de casa. Ela estava aflita na porta da UPA.

De acordo com o ouvidor Guilherme Pimentel, da Defensoria, a instituição e as Comissões de Direitos Humanos da Alerj e da OAB receberam chamados de moradores desde as 6h da manhã.

"Foram muitas as denúncias. Ainda vamos conversar com outras famílias. Mas já registramos violações a domicílio, impossibilidade de pessoas cumprirem horários de trabalho, fechamento de unidades públicas, alvejamento de casas, ameaças, agressões, ameaça de execução e omissão de socorro", disse Pimentel.

Mortes por intervenção policial

A operação mais letal no estado ocorreu em maio de 2021, na favela do Jacarezinho. Foram mortas 28 pessoas, sendo um policial civil.

Em maio, operação policial na Vila Cruzeiro, a segunda mais letal, resultou na morte de 23 pessoas. A favela é vizinha ao Alemão, alvo da ação desta quinta-feira.

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro e a Ordem dos Advogados do Brasil no estado pediram que o governo do estado reduza em 70% as mortes por intervenção policial no prazo de um ano. As propostas foram encaminhadas ao Palácio Guanabara em junho.

Ao fim de maio, o ministro do STF Edson Fachin decretou que o Governo do Rio de Janeiro ouvisse, em um prazo de 30 dias, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil para concluir o plano de redução da letalidade policial no estado.

Colaborou Mariana Moreira

Erramos: o texto foi alterado

Dezessete pessoas morreram na operação policial realizada no Complexo do Alemão, não 18, como a polícia havia dito nesta quinta.

 

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