Revólver, espingarda e pistola lideram número de armas com registro vencido nas mãos de cidadãos

Especialistas dizem que documentação irregular de 1,3 milhão de armamentos indica perda de controle da PF

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Brasília

O banco de dados da Polícia Federal acumula cerca de 1,3 milhão de armas com registro vencido de cidadãos que têm posse desses artefatos. Revólveres, espingardas e pistolas são os modelos mais comuns e correspondem a 88% do arsenal irregular.

Os registros apontam 703 mil revólveres, 456 mil espingardas e 213 mil pistolas com documentação vencida. Há ainda na lista rifles, carabinas, garruchas, pistoletes e escopetas, entre outros.

Manifestante carrega cartaz com a mensagem 'Armas para cidadãos de bem'
Protesto pró-armas na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, em 2020 - Pedro Ladeira - 9.jul.20/Folhapress

As armas compradas por cidadãos com autorização da PF ficam listadas num banco de dados chamado Sinarm (Sistema Nacional de Armas). A grande maioria das pessoas tem apenas o registro de posse, uma vez que o porte é restrito a determinadas categorias.

Os registros têm prazo de validade de 10 anos.

Os dados do Sinarm indicam até mesmo armamentos que, em tese, não poderiam ser acessados por cidadãos comuns via Polícia Federal. Há no sistema, por exemplo, 53 fuzis com registro vencido nas mãos de civis.

Procurada, a PF não respondeu os questionamentos feitos pela Folha.

Para especialistas, o número de armas irregulares é alto e mostra um problema grave, pois sinaliza a perda de controle da Polícia Federal sobre o paradeiro dos artefatos. Um registro pode não ser renovado por esquecimento do dono, mas também pode indicar que a arma foi furtada e desviada para o crime.

"Quando não renova esse registro, a PF perde a capacidade de dizer onde a arma está fisicamente. Significa que saiu do radar de controle do estado brasileiro. Isso é gravíssimo", avalia Ivan Marques, advogado e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O número e os tipos de armas nessa situação foram obtidos pela Folha junto à PF a partir de um pedido de LAI (Lei de Acesso à Informação). Os dados se referem ao mês de junho de 2022.

Para Natália Pollachi, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, as novas normas flexibilizando o acesso a armas, editadas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), podem trazer mais impacto para o tema.

O prazo para a renovação do registro de arma na Polícia Federal e no Exército subiu de 5 anos para 10 anos. Ou seja, agora o governo e as polícias só vão ter notícia do comprador e da arma após uma década.

Desde a publicação do decreto flexibilizando essa norma, em janeiro de 2019, todas as pessoas que já têm armas legalizadas ficaram com os registros renovados automaticamente.

O governo Bolsonaro editou até o momento 17 decretos, 19 portarias, duas resoluções, três instruções normativas e dois projetos de lei que flexibilizam as regras para ter acesso a armas e munições.

"A Polícia Federal e o Exército vão ficar 10 anos sem saber se elas [as armas] ainda estão ou não na posse de quem as comprou, se a pessoa mudou de domicílio, de estado ou qualquer outra condição. O órgão também ficará 10 anos sem revisitar o histórico criminal [dos donos]. Como temos visto, há casos de falhas na comunicação entre órgãos públicos. Assim como o proprietário ficará 10 anos sem repetir o exame psicológico e o exame de aptidão técnica", afirma Pollachi.

Estar com a arma com registro vencido não é mais crime. O Estatuto do Desarmamento previa que a pessoa responderia por posse ilegal de arma de fogo, mas o entendimento atual do STJ (Superior Tribunal de Justiça) é de que a documentação fora do prazo configura uma irregularidade administrativa. Nesses casos, a pessoa tem o armamento apreendido e recebe uma multa.

Atualmente, a posse irregular de arma só é considerada crime quando o armamento não possui registro.

Isabel Figueiredo, conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, argumenta ainda que o entendimento do STJ não foi regulamentado, o que limita a atuação da PF.

"É preciso esclarecer melhor esse ponto, regulamentar o que precisa ser regulamentado. A PF também precisa fazer busca ativa, não dá para as pessoas terem arma em casa com o registro vencido", opina.

Além das 1,3 milhão de armas com documentação vencida nas mãos de cidadãos comuns, há no Sinarm outros 187 mil armamentos com registro irregular em posse de outras categorias. A lista é liderada por empresas de segurança privada (72 mil), servidores públicos (52,1 mil) e caçadores de subsistência (41,5 mil).

No Brasil as armas podem ser liberadas pela PF e pelo Exército. Na Força, ficam registradas armas de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) e o armamento particular de militares, incluindo policiais e bombeiros.

O porte de arma, por sua vez, é concedido pela Polícia Federal, sendo restrito a determinados grupos, como profissionais de segurança pública, membros das Forças Armadas, policiais e agentes de segurança privada.

Como os CACs têm permissão para carregar arma no trajeto entre a casa e o clube de tiro ou o local de caça, sem restrição de rota ou horário, na prática a categoria também se beneficia de uma espécie de porte.

Além do mais, tem ocorrido a aprovação de projetos apresentados por parlamentares em assembleias estaduais e até em câmaras municipais que tentam garantir ao CAC o direito de andar armado, embora o tema seja de competência exclusivamente federal.

Como a Folha mostrou, o registro de armas novas pela Polícia Federal cresceu mais nos estados nos quais Bolsonaro venceu no segundo turno das eleições de 2018.

Entre 2018 e 2021, o número de novas armas registradas passou de 39 mil para 163,7 mil nas 16 unidades da federação que preferiram Bolsonaro, uma alta de 320%.

Já nos 11 estados nos quais Fernando Haddad (PT) venceu no segundo turno, o aumento foi de 223%, saindo de 12 mil para 38,8 mil.

O número de novas pistolas liberadas pela PF cresceu 170% na gestão de Bolsonaro, que flexibilizou normas e deu ao cidadão comum acesso a calibres mais potentes que antes eram restritos às forças policiais.

Foram 108 mil novos registros de pistola em 2021, contra 40 mil em 2018, antes do atual governo. O número do primeiro semestre de 2022 já ultrapassa o de 2018.

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