Ambulantes, artistas e artesãos são impedidos de trabalhar no centro histórico de Paraty

Comerciantes reclamam de falta de aviso prévio e se preocupam com falta de renda; retirada foi ordem da Justiça

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São Paulo

As ruas do centro histórico de Paraty estão mais silenciosas que o habitual. Nem sinal de ambulantes, artesãos que expõem suas obras, vendedores de doces ou músicos que costumam ficar por alí.

A situação, que já acontece há três semanas, é fruto de uma decisão judicial movida pelo Ministério Público Federal com participação do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). O processo tramita desde 2008 e surgiu a partir de denúncias de moradores e comerciantes do centro histórico.

Artistas e artesãos se manifestam contra impedimento de trabalharem no centro histórico de Paraty
Artistas e artesãos se manifestam contra impedimento de trabalharem no centro histórico de Paraty - Aline Brant/Divulgação

Na ação, o MPF alega que a visibilidade dos prédios históricos da cidade é afetada pelas barracas instaladas no entorno dos imóveis. Expedida em 2022, a decisão do juiz federal Rodrigo Gaspar de Mello, da 1ª Vara Federal de Angra dos Reis, determina a retirada do comércio ambulante.

No caso de descumprimento, estipula uma multa para o prefeito de Paraty, Luciano de Oliveira Vidal (MDB), de R$ 20 mil. Comerciantes, artistas e artesãos alegam que tiveram poucos dias para desocupar o local e se preocupam com a iminente falta de renda. Eles calculam que cerca de 400 famílias devem ser afetadas direta e indiretamente pela proibição.

"A gente ganha o que vende, mas o aluguel está aí e a conta de luz também", lamenta Mônica Salles, que tem um carrinho de doces há oito anos —os doceiros, em 2018, foram considerados patrimônio cultural imaterial pelo estado do Rio de Janeiro.

Salles calcula que, desde que foi proibida de comercializar os doces, deixou de faturar cerca de R$ 5.000. "As pessoas estão desesperadas e nervosas. Não dá para ser retirado de uma hora para outra. Ficamos à deriva e estamos esperando", diz ela, afirmando que desde a proibição a cidade, que é conhecida por ter reunir músicos e artesãos, está vazia.

Protestos têm acontecido desde a proibição do comércio nas ruas do centro histórico. Pessoas erguem cartazes com frases como "pandemia de artista", "somos cultura e temos direito de trabalhar" e "quem vai pagar os nossos boletos que não param de chegar?".

Wagner Duraes tem um trailer há quase quatro anos no qual vende cachaça em Paraty. Com a nova regra, ele arranjou um terreno na cidade para tentar vender os seus produtos.

"Aqui tá fraquíssimo, não vendo nada. Tá pior que a pandemia", diz ele. "A cidade está morta, sem graça e sem vida. O que dá vida em Paraty, além do centro, são os artistas."

Alan Richer, artista plástico caiçara, expõe suas obras no centro há 15 anos. "Eles alegam que atrapalhamos a visibilidade da rua, mas toda manifestação religiosa e cultural passa pela rua. Quantos festivais acontecem na cidade que interferem no centro histórico? A rua de Paraty é um centro cultural e o artista de rua universaliza o acesso à arte."

As pessoas estão desesperadas e nervosas. Não dá para ser retirado de uma hora para outra. Ficamos à deriva e estamos esperando. A gente ganha o que vende, mas o aluguel está aí e a conta de luz também

Mônica Salles

Doceira em Paraty

Richer conta que sempre sofreu com perseguições e denúncias. Além disso, diz que nos últimos anos o centro histórico se tornou um grande shopping, com muitas franquias e cada vez mais elitizado. "As pessoas começaram a ver os artistas de rua com certo preconceito", diz.

Ele considera que, hoje, tem muita gente para pouco espaço, "mas isso não justifica a retirada."

O venezuelano e artista Alexis Mosqueira vive em Paraty desde 2020. Nesta semana, ele tentou cantar no centro, mas foi impedido por guardas civis, que confiscaram seus pertences, devolvidos algumas horas depois. A cena foi divulgada em grupos de WhatsApp de moradores de Paraty. "Os artistas estão passando fome e não possuem medidas reais quanto a isso", diz ele.

Procurada, a prefeitura de Paraty não respondeu sobre o ocorrido com Alexis e disse que o processo já passou por diferentes gestões.

Em 2012, a cidade teria sido intimada a se manifestar em defesa do comércio ambulante. Dois anos depois, o município foi intimado e uma sentença determinou a remoção deles. Na época, a prefeitura interpôs um recurso com objetivo de reverter a decisão, mas ela foi mantida.

Em 2017, a gestão municipal recebeu uma intimação para que fosse realizada a retirada de todos os ambulantes de forma coercitiva. Depois disso, o MPF recebeu mais uma denúncia de que os ambulantes haviam retornado de forma desordenada, em 2022. Assim, a prefeitura foi, enfim, intimada a cumprir integralmente a sentença, com multa diária e pessoal ao prefeito.

A prefeitura reforça que a proibição se restringe ao centro histórico e seu entorno, mas comerciantes e artistas alegam que outras partes da cidade já são ocupadas por outros comércios e o fluxo de pessoas é muito inferior ao centro.

A gestão afirma que pretende criar um grupo de trabalho para atuar em parceria com o Iphan com a participação de representantes de ambulantes de diferentes segmentos de atividade. Esta mobilização tem como objetivo realizar um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) junto à Justiça Federal com normatização e padrões compatíveis com o patrimônio histórico, e que possam ser aceitos pelo Judiciário.

Em uma live realizada no Facebook, na quarta-feira (24), o prefeito Luciano Vidal disse que em nenhum momento o município se colocou contra os ambulantes. Vidal afirma ainda que autorizou a liberação de cestas básicas para quem precisa. Também disse que o cartão com recurso financeiro está em estudo para ajudar as pessoas momentaneamente até que seja resolvida essa questão.

Vidal reforçou que, assim como ocorreu com o Festival da Cachaç a, entre os dias 11 e 21 de agosto, a gestão municipal vai disponibilizar em todos os eventos uma tenda para que os ambulantes possam vender e expor os seus produtos.

Já o Iphan afirma que a participação no objeto da ação trata apenas da necessidade de ordenamento do comércio ambulante considerando a preservação da visibilidade e ambiência dos bens tombados pelo instituto. "Logo, não contemplando os artistas de rua, artesãos e os carrinhos de doces, manifestações culturais que integram a paisagem do conjunto urbano", diz a órgão.

O órgão ressalta ainda que entende que o comércio ambulante pode ocorrer no centro "a partir de critérios de ocupação acordados entre prefeitura, o Iphan e os próprios comerciantes."

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