O brasileiro é conhecido por ser um povo solidário, mas até recentemente, não tínhamos dados para afirmar se existia, de fato, uma cultura de doação no país. Em 2015, a primeira edição da Pesquisa Doação Brasil, realizada pelo Idis - Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, relevou que mais de três quartos da população havia feito uma doação —seja dinheiro, bens ou tempo, na forma de voluntariado.
A segunda edição, com dados de 2020, constatou que as classes mais privilegiadas se engajaram mais e a percepção geral sobre doação passou a ser mais positiva.
Por outro lado, metade dos entrevistados disse não conhecer o papel das organizações da sociedade civil (OSCs) e 33% afirmou não ter certeza se o ato de doar faz alguma diferença. Naquele ano, doações em dinheiro a OSCs somaram R$ 10,3 bilhões, o equivalente a 0,14% do PIB.
Se por um lado constatamos que existe engajamento, também identificamos espaço para crescer. Em relação a outros países, em 2021, o Brasil se encontrava na posição 54 entre 114 nações na prática da solidariedade, segundo o World Giving Index, publicado pela britânica Charities Aid Foundation.
Quando consideramos o investimento social de empresas e famílias, os levantamentos também mostram mudanças. Durante a pandemia, os recursos investidos em causas atingiram seu recorde. De acordo com o Censo Gife 2020, o montante total investido foi de R$ 5,3 bilhões —aumento de 53% em relação a 2018.
Apesar do grande volume, ele não foi igualmente distribuído. Naquele ano, enquanto mais de três quartos dos entrevistados financiaram projetos nas áreas de educação e assistência, em especial em ações para o enfrentamento da Covid-19, menos da metade investiu em causas de grande relevância para o país como meio ambiente, defesa de direitos e democracia e, apenas 36%, em fortalecimento da gestão pública ou em ciência e tecnologia. Mais uma vez, os dados mostram que há possibilidades de evolução.
É preciso um olhar estratégico na prática da filantropia para que ela seja transformadora. E focar em sanar as causas dos problemas socioambientais, e não apenas seus efeitos. E essa tomada de consciência é necessária em toda a sociedade. A boa notícia é que estamos dando passos importantes nessa direção.
Durante a pandemia, muitos doaram para aliviar o sofrimento dos grupos mais vulneráveis, uma abordagem assistencialista extremamente necessária naquele momento. Por outro lado, diversos doadores sabiam a mudança que queriam provocar, e desenvolveram tecnologias e caminhos inovadores para gerar impacto positivo. Doaram com rapidez e confiança nas OSCs. E as entidades beneficiárias responderam criando redes de apoio para levar ajuda a todos que precisavam.
Esse momento raro, do casamento da confiança com a estratégia, trouxe frutos maravilhosos e modificou a maneira como atuamos. Ouso acreditar que corporações e famílias com mais recursos ainda estão sob o efeito mágico produzido pelas transformações que foram capazes de gerar. E buscam evoluir na prática filantrópica, avaliando o impacto produzido na sociedade.
Testemunhamos o crescimento de empresas preocupadas com agenda ASG (ambiental, social e governança). Por parte das famílias mais privilegiadas, ainda que sutil, vemos um aumento da constituição de fundos patrimoniais filantrópicos, instrumento que permite perenizar o investimento social.
Acompanhamos também o surgimento de ações colaborativas, fundamentais para acelerar mudanças socioambientais em linha com os ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
O debate sobre a importância da filantropia foi impulsionado pela pandemia. Vemos que a confiança e as estratégias estão amadurecendo, na medida em que aprendemos que o ato de doar tem o poder de mudar realidades.
Mas, se quisermos realmente contribuir para a redução das desigualdades, precisaremos da união entre empresas, organizações da sociedade civil, governos e toda a população. O caminho é longo, mas o fundamental já temos, que é a solidariedade e o desejo de um Brasil justo e sustentável.
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