A proposta da Prefeitura de São Paulo de garantir um pagamento para quem aceitar acolher pessoas em situação de rua continua sem regulamentação até esta terça-feira (2). A gestão municipal ainda não decidiu quanto vai pagar, por quanto tempo, nem para quantas pessoas.
Batizado de Auxílio Reencontro, o benefício foi criado a partir de uma ideia do prefeito Ricardo Nunes (MDB), disse à Folha o secretário-executivo de Projetos Estratégicos do município, Alexis Vargas.
A lei que criou o auxílio foi sancionada em 29 de junho. Para acelerar a tramitação da proposta, aprovada naquele mesmo dia na Câmara Municipal, o texto de Nunes foi incluído como substitutivo de um projeto que regulamentava a instalação de restaurantes populares na cidade.
Especialistas ouvidos pela reportagem destacam a importância de ações para os 32 mil sem-teto que vivem na capital —conforme apontou o censo da população de rua de 2021—, mas afirmam que a falta de debate com grupos que trabalham no atendimento a essa população levou o Auxílio Reencontro a ter problemas de concepção.
Pesquisadora do LabJUTA (Laboratório de Justiça Territorial) da UFABC (Universidade Federal do ABC), Kelseny Pinho avalia que o auxílio, como está, viola a autonomia e autodeterminação da população de rua ao instituir um terceiro como titular do benefício.
Procurada, a prefeitura defendeu a medida, mas não deu previsão para que o benefício seja regulamentado. "O auxílio financeiro é necessário porque agregar mais uma pessoa em um núcleo familiar tem um custo que não pode ser ignorado", declarou a gestão municipal, em nota.
Raquel Rolnik, professora da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), afirma que o acolhimento na casa de um terceiro, e não em um espaço público, torna mais difícil monitorar a situação —saber se a pessoa em situação de vulnerabilidade está sendo bem cuidada, por exemplo.
"É impossível. Serão centenas de casas. E o Estado teria que entrar dentro da residência da pessoa, da propriedade privada. Enquanto isso, a pessoa vulnerável fica exposta a todo tipo de problema", diz Rolnik.
A lei que criou o Auxílio Reencontro também não diz se pessoas jurídicas poderiam ser beneficiadas. "Como o Estado vai determinar se e quais entidades filantrópicas podem receber essa ajuda financeira?", questiona Rolnik.
De acordo com Pinho, falhas poderiam ser evitadas se os conselhos municipais de Segurança Alimentar e Nutricional e da Assistência Social tivessem sido consultados, bem como o Comitê Intersetorial da Política Municipal para a População em Situação de Rua (Comitê PopRua), do qual ela faz parte.
Alexis Vargas afirma que a formulação do benefício se baseou no censo da população de rua.
"Mais de 60% dos moradores de rua mantêm algum contato com familiares", diz. Segundo ele, o programa será acompanhado por assistentes sociais e psicólogos.
O secretário afirma, que a medida é apenas uma das frentes do Programa Reencontro, que vem sendo discutido com a sociedade desde o final de 2021. Diz, ainda, que mencionou a elaboração do Auxílio Reencontro em reunião do Comitê Pop Rua.
O comitê, contudo, nega. Vídeo da reunião do dia 15 de junho, obtido pela reportagem, mostra que o secretário mencionou a possibilidade de pagar o benefício diretamente às pessoas em situação de rua, uma demanda histórica dos grupos que trabalham com o tema.
De acordo com Pinho, o secretário não deu mais informações sobre a proposta até o auxílio ser submetido ao voto dos vereadores.
Em reunião do Comitê PopRua no dia 6 de julho, também gravada, servidores relataram que o auxílio não foi debatido pela área técnica da Secretaria de Assistência Social antes de chegar à Câmara Municipal.
Questionada, via Lei de Acesso à Informação, sobre a existência de um estudo de viabilidade do auxílio, a Secretaria Executiva de Projetos Estratégicos respondeu que o documento está em construção. Os dados serão divulgados quando o prefeito despachar o ato regulamentar.
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