Anvisa manda recolher macarrão contaminado com composto ligado a morte de cães

Insumo industrial é o mesmo fornecido para fábrica de petiscos; alimento é vendido para restaurantes de comida oriental

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) determinou a proibição de comércio e uso e mandou recolher lotes de massa da Keishi, fabricante de macarrão japonês, produzidos entre 25 de julho e 24 de agosto. O ingrediente, comum em pratos como lámen, guioza e udon, é vendido para restaurantes de comida oriental.

De acordo com a agência, uma vistoria na empresa em São Paulo detectou na produção das massas o uso de propilenoglicol contaminado fornecido pela empresa Tecno Clean. O insumo industrial é o mesmo utilizado na fabricação de petiscos que podem ter causado as mortes de cães.

Em nota enviada pelo WhatsApp, a Keishi diz que adquiriu os produtos confiando no fornecedor, com quem mantém relações de longa data, e que, seguindo a orientação da Anvisa, entrou em contato com clientes para rastrear e recolher produtos do lote. A empresa alega que os itens haviam sido fabricados há um mês e que não havia estoque a recolher ou relato de danos à saúde de consumidores.

Por fim, a Keishi afirma que tem colaborado com a Anvisa e que continua operando normalmente.

"A Keishi esclarece que a ação da Anvisa é preventiva e pontual e não houve nenhuma ordem para paralisar as atividades ou interditar a fábrica da Keishi. Esclarece, outrossim, que a Keishi está colaborando com a Anvisa e Vigilância Sanitária no rastreamento e recolhimento dos produtos e elucidação dos fatos, visando evitar problemas futuros e preservar a saúdo dos nossos consumidores. A Keishi continua operando normalmente, oferecendo a seus clientes/consumidores produtos de qualidade com segurança que tem sido a marca registrada dos seus produtos.", diz o texto.

foto de macarrão japonês cru organizado em rolos em caixa de madeira
Massas da marca Keishi; Anvisa manda recolher lotes produzidos com propilenoglicol contaminado - Reprodução/Keishi

Assim como no caso dos petiscos para cães, a suspeita das autoridades é que o composto, utilizado para amaciar e evitar a presença de fungos em alimentos, tenha sido contaminado por monoetilenoglicol, uma substância tóxica. Essa substância, também conhecida como etilenoglicol, é da mesma família da apontada como responsável pela morte de dez pessoas que consumiram a cerveja Belorizontina, produzida pela Backer, em 2019.

O monoetilenoglicol age diretamente nas membranas celulares. Os sintomas iniciais mais comuns da intoxicação por estas substâncias são vômitos, diarreias e tremores. Com o tempo, elas passam a atacar outros órgãos.

"Como parte da investigação sobre o caso do propilenoglicol contaminado com etilenoglicol que causou intoxicação e morte de animais, fornecido pela empresa Tecno Clean Industrial Ltda, o órgão de vigilância sanitária realizou inspeção na BBBR Indústria e Comércio de Macarrão Ltda [que adota o nome fantasia Keishi] e verificou que a empresa adquiriu e usou o referido insumo contaminado como ingrediente na linha de produção de massas", explica a nota da Anvisa.

A resolução, publicada na quarta-feira (21), diz que a vistoria constatou a compra e o uso do lote AD5053C22 de propilenoglicol, que teria sido vendido com o chamado grau de pureza USP, que assegura o uso alimentar do insumo. O certificado é conferido por laboratórios de análise aos produtos que seguem os padrões internacionais estabelecidos pela Farmacopeia dos Estados Unidos.

Na noite desta quarta, o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) incluiu mais uma empresa na lista de fabricantes que devem ter seus produtos para cães recolhidos por suspeita de contaminação pelo propilenoglicol fornecido pela Tecno Clean. O novo alvo da medida é a Petitos Indústria e Comércio de Alimentos.

Em nota publicada em seu site, a empresa diz que iniciou o recolhimento de produtos que continham propilenoglicol fornecido pela Tecno Clean, em 12 de setembro, de acordo com determinação do ministério. A Petitos afirma ainda que iniciou a retirada de todos os produtos que pudessem conter insumos fornecidos pela distribuidora, especialmente aqueles fabricados entre janeiro e 11 de setembro de 2022.

Outras quatro empresas já haviam sido afetadas: Bassar, FVO Alimentos, Peppy Pet e Upper Dog.

Assim que o caso passou a ser noticiado, a Bassar Pet Food declarou estar colaborando com as autoridades. A empresa anunciou o recolhimento dos produtos fabricados a partir de 7 de fevereiro deste ano (a partir do lote 3329).

Segundo a empresa, o consumidor deve devolver o produto à loja, "que deverá realizar o reembolso do valor gasto, independentemente de a embalagem estar aberta ou não, sem qualquer custo adicional".

A FVO Alimentos disse, em nota, que recolheu do mercado os petiscos Dudogs, Patê Bomguy e Bomguytos Bifinho de forma preventiva, antes da determinação do ministério, publicada em 16 de setembro.

Em publicação nas redes sociais, a Peppy Pet diz que identificou, em 8 de setembro, as lojas e distribuidores que adquiriram os produtos citados pelo Ministério da Agricultura e que iniciou um recolhimento preventivo dos lotes.

Em seu site, a Upper Dog informou que iniciou a substituição preventiva dos lotes fabricados de janeiro a agosto de 2022, de acordo com a determinação da pasta. A empresa afirma que realizou testes laboratoriais nos petiscos Dogfy Dental. "Estes já resultaram negativo para qualquer tipo de contaminação do propilenoglicol por monoetilenoglicol. Demais lotes produzidos com o composto também estão em análises e testes", diz o comunicado.

O que dizem as empresas fornecedoras

Em posicionamentos anteriores, a Tecno Clean Industrial afirmou que não fabrica propilenoglicol. Segundo a empresa, a substância foi comprada da empresa A&D Química Comércio e revendida pela Tecno Clean, como distribuidora. A empresa se colocou à disposição das autoridades para ajudar nas investigações.

A A&D Química Comérico, localizada na cidade de Arujá (SP), afirma em nota que os produtos de seu portfólio, incluindo o propilenoglicol, não possuem finalidade alimentícia, sendo destinados exclusivamente para produção de itens de higiene e limpeza. A empresa também afirmou que está à disposição das autoridades para a elucidação do caso.

Nesta semana, a Polícia Civil paulista ouviu representantes das duas empresas. Segundo o delegado Vilson Genestretti, o propilenoglicol vendido pela A&D para a Tecno Clean não continha a informação de pureza no certificado técnico que acompanhou as seis notas fiscais. Assim, segundo o delegado, o insumo não poderia ser utilizado para fins alimentícios.

"Existe uma informação de modificação desse certificado depois da venda, é isso que estamos investigando. Já temos informação nos autos de como ocorreu essa solicitação de alteração. Agora preciso confirmar com laudos", diz Genestretti.

A reportagem tentou novo contato com a Tecno Clean nesta quinta, mas a empresa não respondeu o email e, no telefone indicado no site, a atendente direcionou a chamada a um número sem resposta.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.