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Dois anos depois, vítimas da Backer não receberam indenização

Juiz de ação criminal afirma que sócia da cervejaria tentou atrasar ação

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Belo Horizonte

O técnico em segurança de tecnologia da informação Vanderlei de Paula Oliveira, 39, passa 12 horas por semana ligado a uma máquina de hemodiálise. São três sessões, de quatro horas cada uma, que ocorrem em uma clínica de Belo Horizonte.

A rotina à qual Vanderlei precisa se submeter para permanecer vivo tem, segundo ele, relação com duas tragédias ocorridas em Minas Gerais: o rompimento da barragem da mineradora Vale em Brumadinho, em janeiro de 2019, e a intoxicação de consumidores da cerveja Belorizontina, da fábrica mineira Backer, cujos primeiros casos foram tornados públicos no início de janeiro de 2020.

O técnico de segurança em informática Vanderlei de Paula Oliveira, 39, uma das vítimas da cerveja Belorizontina, da Backer.
Vanderlei de Paula Oliveira, vítima de intoxicação da cervejaria Backer, em sua casa - Alexandre Rezende/Folhapress

Quase dois anos depois, vítimas e familiares ainda não receberam qualquer tipo de indenização da Backer. Um processo cível corre na Justiça para a cobrança, que ainda não tem valores definidos.

Pelo menos 29 pessoas foram intoxicadas depois de consumirem a bebida. Dez morreram. Também foi aberto um processo criminal contra os donos da empresa e funcionários, ação que ainda se encontra em fase inicial.

Vanderlei trabalhava de forma terceirizada para a Vale. Dois de seus colegas de trabalho, conforme conta, estão entre as 270 pessoas que morreram no rompimento da barragem. O técnico afirma que por algumas vezes teve que prestar serviço à mineradora no local onde a tragédia aconteceu, na mina do Córrego do Feijão.

O rompimento da barragem ocorreu em 25 de janeiro de 2019. Vanderlei, que é casado e tem duas filhas, relata que a partir daí começou a beber muito. E a cerveja que consumia era a Belorizontina.

O técnico foi internado em 12 de fevereiro de 2019, quase um ano antes, portanto, do surgimento dos primeiros relatos de intoxicação ligados à Belorizontina.

"Eu estava passando mal há dois ou três dias antes de ir para o hospital. Vomitei. Achei que poderia ser algum tira-gosto. Depois tive diarreia e azia muito forte, além de dor abdominal. Os médicos disseram que eu tinha pancreatite, mas foram surgindo outros problemas", afirma Vanderlei.

Em seguida os médicos perceberam que os rins do técnico haviam parado de funcionar e o submeteram à primeira das sessões de hemodiálise que faz até hoje.

O técnico ficou cinco meses internado. Três deles passou no centro de terapia intensiva. Apresentou problemas neurológicos, motores e teve uma parada respiratória.

"Eu não abria os olhos, não falava. Um médico chegou a perguntar para a minha mulher se eu era doador de órgãos", afirma Vanderlei.

Ao voltar para casa, em julho de 2019, o técnico, além de ir às hemodiálises, passou a fazer fisioterapia e fonoaudiologia. Locomovia-se somente por cadeira de rodas. Hoje, ainda não fala nem anda como antes.

Os médicos não conseguiram identificar exatamente o que havia acontecido com Vanderlei. "Não entendiam como todos aqueles sintomas surgiram ao mesmo tempo", diz.

Vanderlei de Paula Oliveira, vítima de intoxicação da cervejaria Backer, em sua casa
Vanderlei de Paula Oliveira, vítima de intoxicação da cervejaria Backer, em sua casa - Alexandre Rezende/Folhapress

Os problemas que Vanderlei apresentou só começaram a ficar mais claros em janeiro de 2020, nos primeiros registros do que se chamou inicialmente em Belo Horizonte de síndrome nefroneural, pelos sintomas no sistema neurológico e nos rins das pessoas que a adquiriam.

Em conversas nas redes sociais, parentes e vítimas encontraram um ponto em comum entre os doentes: o consumo da Belorizontina.

Uma investigação da Polícia Civil de Minas Gerais apontou que a intoxicação dos consumidores da Belorizontina ocorreu por dietilenoglicol, substância usada para refrigeração de tanques onde a bebida era armazenada.

Furos nos equipamentos, segundo a investigação, permitiram a passagem do dietilenoglicol dos dutos de refrigeração para os tanques.

A cervejaria pagou o que foi gasto com o tratamento dos intoxicados. Os valores repassados não são revelados pelas vítimas nem por seus advogados.

O advogado de Vanderlei e de outras cinco vítimas, Guilherme Costa Leroy, avalia que a demora é normal para um processo dessa natureza. "É uma ação que envolve interesses coletivos e individuais. Não posso falar que está havendo demora excessiva, diante do esperado para uma ação dessa magnitude", avalia.

A ação com pedido de indenização foi apresentada pelo Ministério Público de Minas Gerais. A reportagem não conseguiu contato com a defesa da Backer na área cível.

Na ação foram incluídas as 29 vítimas confirmadas até agora como tendo sido intoxicadas depois de consumirem a cerveja. Segundo o advogado das vítimas, outras pessoas que representa e que afirmam ter tido problemas de saúde após tomarem a Belorizontina também podem ser integradas ao processo no futuro.

Atrasando a Justiça

Na área criminal, o inquérito da Polícia Civil que indiciou 11 pessoas por homicídio culposo (quando não há intenção de matar), lesão corporal e intoxicação alimentícia foi acatado pela Justiça. Um despacho do juiz Haroldo André Toscana de Oliveira, da 2ª Vara Criminal do Fórum Lafayette, responsável pela ação, revela, no entanto, que pelo menos parte dos réus tentou atrasar o andamento da ação.

O despacho, do último dia 7 de dezembro, refere-se a uma das sócias da Backer, Ana Paula Silva Lebbos, que figura entre os réus. "Apesar de devidamente intimada, a defesa da acusada, Ana Paula Silva Lebbos, insiste em não apresentar resposta à acusação, (...) o que por si só, já caracteriza o intuito procrastinatório e protelatório da defesa da aludida ré na tramitação da presente ação penal."

Garrafa da cerveja Belorizontina, produzida pela Backer
A cerveja Belorizontina que, conforme investigação da Polícia Civil de Minas Gerais, continha dietilenoglicol. Dez pessoas morreram depois de consumir a bebida - Divulgação

O processo está em fase inicial, quando réus são intimados a apresentar defesa prévia contra a acusação. No mesmo despacho, o juiz determina que a ré seja intimada "pela última vez". Não há menção a possíveis punições.

A reportagem entrou em contato com um dos advogados da acusada, Hermes Guerreiro. "Não pensei em momento nenhum em não apresentar defesa", afirma ele, que enviou documento à reportagem mostrando que a resposta ao juiz foi protocolada no mesmo dia da publicação do despacho.

Também são réus no processo, além de funcionários da empresa, os outros dois sócios, Hayan Franco Khalil Lebbos e Munir Franco Khalil Lebbos.

Retorno

Ao mesmo tempo em que enfrenta o processo judicial, a Backer prepara seu retorno ao mercado. A empresa pediu ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em junho de 2020 novo registro para voltar a produzir cerveja. Com a contaminação dos consumidores, a fábrica teve a licença de fabricação cancelada pela pasta.

Em julho de 2021, cumpriu a primeira etapa necessária ao processo, que envolvia checagem de equipamentos. Técnicos do ministério estiveram na fábrica, no bairro Olhos D'água, em Belo Horizonte, e atestaram que estava tudo certo.

Foi iniciada então a segunda fase, que se refere ao funcionamento da linha de produção. A empresa, nessa etapa, vai ter que simular a fabricação de cerveja utilizando apenas água, passando pelas panelas de fervura, tanques e envase.

O ministério então vai mandar esse "produto" para análise laboratorial. Caso não sejam achados problemas, passa-se à fase final, que prevê a produção de cerveja. A bebida também será encaminhada para análises.

Não há prazo para a conclusão desse processo. Conforme o ministério, tudo depende agora da agilidade da empresa.

A reportagem enviou à Backer perguntas sobre a preparação da empresa para o retorno ao mercado e o não pagamento de indenizações a vítimas e familiares, mas não houve resposta até a publicação.

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