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Independência, 200

Boas iniciativas dos 200 anos podem sobreviver à ebulição política

Reabertura do Museu do Ipiranga e novos livros merecem atenção além das turbulências do 7 de Setembro

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Naief Haddad
Naief Haddad

Repórter especial da Folha

São Paulo

Toda grande efeméride histórica, como estes 200 anos da Independência do Brasil, tem suas patriotadas. Neste ano, além do coração em formol de dom Pedro 1º, exposto em Brasília, tudo indica que veremos majestosos desfiles militares na capital federal, no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Nada que se possa comparar, porém, com o que aconteceu em 1972, nos 150 anos. Para a satisfação da ditadura militar, ufanista do coturno ao capacete, a urna com os despojos do primeiro imperador brasileiro veio de Portugal para exibição em dezenas de capitais.

O presidente Jair Bolsonaro sente saudades desse país do "ame-o ou deixe-o", mas ainda não foi capaz de reproduzir aquela atmosfera em 2022.

Datas históricas também podem servir para reavaliações sobre a trajetória e a identidade de um país, úteis para a tomada de novos rumos —observar o passado não basta para definir o futuro, mas sempre ajuda.

Iniciativas voltadas à reflexão em torno dos 200 anos existem, é claro, mas têm sido abafadas pelo uso político que a Presidência da República faz deste 7 de Setembro.

"O bicentenário coincide com um momento dramático do país. O debate político de baixo nível joga um véu sobre a complexidade dos novos estudos", diz a historiadora Cecilia Helena de Salles Oliveira, autora do recém-lançado livro "Ideias em Confronto - Embates pelo Poder na Independência do Brasil (1808-1825)".

Nem tudo está perdido, porém. Resta fazer como o motorista que desce a serra em dia de neblina. É preciso reduzir a velocidade e redobrar a atenção diante da névoa —a turbulência resultante das ameaças autoritárias— para conseguir enxergar a curva logo adiante —as ações louváveis que a efeméride traz.

Passada a curva, há, sobretudo, a reabertura do Museu do Ipiranga, depois de nove anos fechado.

Além de dobrar de tamanho, a instituição retoma as atividades com duas diretrizes. A primeira é uma visão crítica em relação à história do país, do estado de São Paulo e do próprio museu, apresentada em mesas interativas e outros itens que acompanham as obras.

A segunda é uma aposta em acessibilidade nas 49 salas expositivas (antes eram 12) e nos demais espaços.

Com incentivo de lei Rouanet, investimentos do governo estadual e da USP e patrocínio direto de empresas, o museu demonstra que parcerias público-privadas funcionam bem quando levadas a sério.

A USP, que administra o museu, merece aplausos, assim como João Doria, então governador, que liderou as articulações para que a reforma avançasse.

Esta frente reflexiva dos 200 anos não se restringe ao museu, evidentemente. Novos livros, como "Adeus, Senhor Portugal", "Dicionário da Independência do Brasil" e o já citado "Ideias em Confronto", iluminam o debate histórico.

Numa outra chave, produções recém-lançadas, como a minissérie "Independências", de Luiz Fernando Carvalho, e o filme "A Viagem de Pedro", de Laís Bodanzky, tratam o tema com mais maturidade do que, por exemplo, "Independência ou Morte" (1972), de Carlos Coimbra.

Embora momentaneamente abafados, o museu e essas produções culturais tendem a se manter vivos por mais tempo do que o governo da ocasião.

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