Tarcísio Meira, Marcos Pasquim, Caio Castro e Cauã Reymond. Além de ocuparem o posto de galã da teledramaturgia em diversos momentos de suas vidas, esses atores ainda compartilham o papel de um personagem histórico constantemente adaptado, dom Pedro 1º.
Ainda que o príncipe regente que proclamou a independência do Brasil não costume ser descrito pelos historiadores como um homem bonito, suas representações no universo do entretenimento, especialmente em filmes e novelas, parecem seguir o padrão físico e intelectual de uma figura heroica.
Essa idealização ocorre até em "O Quinto dos Infernos", minissérie produzida pela Rede Globo em 2002. A despeito do tom satírico de seus episódios, que enfatizam o caráter mulherengo do príncipe, o dom Pedro de Marcos Pasquim recupera a altivez no fatídico momento do grito do Ipiranga.
Após se aliviar no mato (na minissérie, a dor de barriga é causada pela "leitoa de Bonifácio") e ouvir as notícias que vinham de Portugal, o príncipe galã fica indignado, sobe no cavalo e, aos acordes de uma trilha nobre, brada o seu famoso "Independência ou morte".
A mesma cena se repete em "Novo Mundo", novela das seis da Rede Globo criada por Thereza Falcão e Alessandro Marson. O canal fez um malabarismo narrativo para que, no dia 7 de setembro de 2017, fosse exibido o capítulo 143, no qual dom Pedro anuncia a separação entre Brasil e Portugal.
A representação na novela conta com mais personagens do que na minissérie. Após o príncipe receber as notícias de Portugal, algumas pessoas vão se aproximando da comitiva, em sua maioria, negras e mais simples. Os planos da cena em questão passam de seus rostos emocionados para a posição altiva de Caio Castro, exaltando o heroísmo e determinação do personagem que interpreta.
Por isso, quando a novela atualiza a caracterização eternizada no quadro de Pedro Américo, de 1888, ela também promove alguns exageros.
De acordo com o historiador João Paulo Pimenta, professor da USP e autor de "Independência do Brasil" (ed. Contexto, 2022), essa exaltação de personalidades históricas é uma constante nas representações artísticas referentes a momentos relevantes do passado.
Ao abordar o universo narrativo de "Novo Mundo", que contempla ainda a novela "Nos Tempos do Imperador" (2021), Pimenta chama a atenção para uma disputa que dá o tom às adaptações contemporâneas.
"Embora tenha feito uso de muitas imagens e conteúdos extremamente tradicionais, em torno não só da Independência, mas principalmente da história do Império do Brasil, a novela introduziu com força algumas das pautas identitárias do nosso presente", diz ele.
Para o professor, representações do período costumam cair em três clichês: o ufanismo excessivo, a depreciação cômica —caso do já citado "O Quinto dos Infernos" e também de "Carlota Joaquina", filme de 1995 que marcou a retomada do cinema brasileiro— ou "uma manipulação excessiva do passado segundo os critérios do presente".
Exemplo de patriotismo, primeiro ponto indicado por Pimenta, é o clássico de Carlos Coimbra, "Independência ou Morte" (1972), com Tarcísio Meira no papel de dom Pedro 1º e Glória Menezes no papel de marquesa de Santos, amante do príncipe. O longa estreou na semana de comemoração dos 150 anos da Independência.
O governo de Emílio Médici chegou a usar um trecho da narrativa como propaganda oficial do regime, o que incomodou a produção do filme. Dessa forma, transformava a representação artística em história oficial, reforçando a imagem de dom Pedro como a de um herói da nação.
No caso do terceiro ponto, a "manipulação excessiva", vale citar "Nos Tempos do Imperador", escrita pela mesma dupla de "Novo Mundo".
Em determinado momento, ao adaptar um relacionamento interracial entre personagens secundários da narrativa, a novela das seis sugeriu que a personagem da atriz Gabriela Medvedovski teria sofrido preconceito por ser branca. A insinuação de "racismo reverso" foi duramente criticada por ativistas do movimento negro.
Os mais recentes "A Viagem de Pedro", filme de Laís Bodanzky, e "Independências", minissérie de Luiz Fernando Carvalho, podem ser considerados exceções. Lançadas em meio ao bicentenário da Independência (o filme no dia 1º nos cinemas; a minissérie dia 7 na TV Cultura), as produções tratam o tema com um olhar crítico, mas sem cair na "degradação cômica" de que fala o professor.
Fora das telas, personagens e fatos menos conhecidos desse período histórico também inspiraram outras produções. Um exemplo é a música "Corneteiro Luís", da banda BaianaSystem, que se baseia na guerra pela Independência na Bahia.
A canção lembra a história do corneteiro que inverteu o som da ordem recebida pelos seus superiores e incentivou os brasileiros à luta contra os portugueses.
"O corneteiro Luís é um símbolo da expressão revolucionária da música baiana, que nos faz entender melhor o porquê da existência do samba reggae e de todas as expressões que pedem pelo povo", diz Russo Passapusso, membro da banda e um dos compositores da música. "É um símbolo de desobediência social para um bem comum."
O historiador Felipe Brito, também compositor da canção, conta que a banda achou partituras com toques de clarim da época da Guerra da Independência, melodia que foi adaptada à música. "É uma constante antropofagia que a gente faz na transformação das nossas memórias", ele ressalta.
A luta na Bahia também inspirou o jogo 2 de Julho Tower Defense, idealizado por Filipe Pereira e desenvolvido no grupo de pesquisa Comunidades Virtuais da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) em 2013.
O game apresenta os acontecimentos da guerra no território baiano (vencida em 2 de julho de 1823, daí o nome) no melhor estilo dos jogos "defenda a sua torre", prezando pela estratégia militar na defesa contra o avanço das tropas portuguesas. Mesmo desatualizado, o jogo acumula mais de 10 mil downloads no Google Play.
Abaixo, conheça outras produções e manifestações relacionadas ao tema.
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