Pista fechada por jato reabre discussão sobre aumento de voos em Congonhas

Aeroporto em SP passará a ter mais pousos e decolagens a partir de março de 2023

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São Paulo

O incidente com um jato particular que fechou a pista principal de Congonhas, na zona sul de São Paulo, neste domingo (9), reabriu a discussão sobre a expansão de voos no aeroporto.

O avião, cujos pneus do trem de pouso estouraram, levou nove horas para ser removido, gerando uma onda de atrasos e cancelamentos que deve se estender até o fim da semana.

Não há solução fácil, segundo especialistas ouvidos pela Folha. Na avaliação deles, proibir a operação de aeronaves de pequeno porte seria inviável, pela proximidade do aeroporto de centros de negócios na capital. Porém, o incidente de um jato pequeno gerou transtornos em cascata no Brasil.

O aeroporto vai operar, a partir de março do ano que vem, com 44 movimentos de pousos e decolagens por hora, chamados de slots, três a mais do que os atuais 41. Segundo a Infraero, 26% da circulação de voos em Congonhas é de aviação geral —que inclui jatos particulares— e 74%, de comercial, categoria dos voos de passageiros operados por linhas aéreas.

foto de avião próximo de barranco fora da pista do aeroporto de congonhas, em São Paulo
Avião de pequeno porte sai da pista no aeroporto de Congonhas, na zona sul de São Paulo - Reprodução/@aeroportod no Twitter

Para Henrique Hacklaender, presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas, seria inviável retirar a operação de aviação geral de Congonhas. "O ideal era que houvesse um outro aeroporto só para eles [voos particulares], mas é outra discussão", afirma.

Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, segue na mesma direção. "É uma questão de oferta e demanda. Vão continuar comprando os slots de oportunidade, mas tem sido garantida a prioridade da aviação comercial e das pontes aéreas, porque Congonhas é um hub nacional", diz.

Em comunicado publicado na tarde desta segunda (10), a Abear, grupo que representa companhias aéreas brasileiras, pediu a restrição da operação de aviões de pequeno porte na pista principal do aeroporto. "A estimativa da Abear considera, ainda, prejuízos financeiros que ultrapassam milhões de reais", diz a nota.

O presidente da Latam no Brasil, Jerome Cadier, chamou a situação de "absurdo" em uma publicação em rede social. "Aqui deixo minha pergunta final para vocês: o que mais deve acontecer em Congonhas para que decidam não operar com aviação de pequeno porte em um aeroporto tão central para toda a malha aérea do país?", diz o texto.

A pista principal do aeroporto de Congonhas, na zona sul de São Paulo, foi interditada às 13h32 e liberada às 22h18, após a retirada do jato. Enquanto a aeronave pousava, os pneus do trem de pouso traseiro estouraram e o avião saiu da pista. A remoção da aeronave, no entanto, não é uma atividade simples, segundo Roberto Peterka, especialista em segurança de voos.

"É diferente de um carro, que você chama o guincho e põe na plataforma. Cada avião exige equipamentos especiais. Nesse caso, duas rodas foram super danificadas e ninguém tem duas rodas disponíveis, é um valor muito alto", diz Peterka.

O consultor diz que a responsabilidade para retirada do avião é do proprietário ou operador do voo. Neste tipo de situação, quem é responsável pelo jato deve contatar uma oficina especializada que possa fazer a retirada, ou a operadora do aeroporto, no caso a Infraero, pode mover o jato e depois cobrar pelo serviço.

A aeronave é um Learjet 75, de matrícula PP-MIX. Segundo consulta na Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), o jato pertence à Supermix Concreto, empresa do ramo de construção civil. De acordo com os dados disponibilizados pela Anac, o jato está registrado na categoria de serviço privado, com operação negada para táxi aéreo.

Procurada pela Folha por email e telefone, a empresa não respondeu sobre a finalidade do voo e a retirada da aeronave da pista. Por telefone, uma funcionária da sede, em Belo Horizonte, disse que a Supermix não vai se manifestar sobre o caso.

A Infraero afirma que os equipamentos disponíveis dentro e fora do aeroporto foram colocados à disposição do proprietário da aeronave e que não era possível operar pousos e decolagens enquanto a situação não fosse resolvida, o que exigiu a atuação de uma empresa especializada por causa de material inflamável.

"No caso concreto, o sistema hidráulico da aeronave foi afetado e por possuir dutos de altíssima pressão com fluído hidráulico altamente inflamável, a intervenção só poderia ser feita por uma autorizada do fabricante, sob o risco de se produzir um evento catastrófico", diz a nota.

Para André Castellini, sócio da Bain & Company, consultoria do setor aéreo, os operadores de aeroportos precisam responder rápido a incidentes, que são comuns.

"Tem de ter a capacidade de, como operador, liberar a pista rapidamente. E, como companhia aérea, conseguir reprogramar a malha sem causar a repercussão que vimos", afirma Castellini. O consultor considera que o episódio é parte de uma discussão sobre o aumento de voos na operação comercial.

O incidente ocorreu próximo de um dos novos dispositivos de segurança de Congonhas, entregues no início deste ano.

As novas áreas de escape são montadas em estruturas metálicas com 13 metros de altura além da pista. Como se fossem piscinas, elas contêm blocos de concreto poroso, formados com pedras sílicas, e tapados com concretagem fina. O avião, no entanto, não passou pelo sistema.

"Saiu da pista, atravessou a grama e entrou no que chamamos de taxiway, que são pistas usadas para o avião chegar e sair da pista principal", diz Jorge Leal Medeiros, do Departamento de Engenharia de Transportes da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP).

Para Medeiros, seria possível utilizar a pista auxiliar para pousos e decolagens de forma geral, já que o avião estava fora da pista.

Peterka, no entanto, diz que, com o deslocamento de pessoal e equipamento para atender a retirada do jato, o aeroporto perderia as proteções mínimas para pousos e decolagens de aviões maiores. "Inclusive para aeroportos internacionais. Quando vai decolar um voo da Alemanha para Guarulhos e sabe que não poderá pousar lá, por questão de nível de segurança, ele vai para o Galeão, no Rio ou para Campinas, ele alterna", diz o especialista.

Ainda, Peterka afirma que o sistema poderia não funcionar para parar a aeronave. Com pouso máximo de decolagem de nove toneladas, segundo o registro na Anac, o jato não teria peso suficiente para romper o asfalto na área de segurança, que estoura a partir de 13 toneladas. Ao chegar, o avião estaria ainda mais leve do que seu peso de decolagem, tendo gastado o combustível.

A Infraero afirma que o sistema funcionaria para manter o avião na área de segurança, considerando fatores técnicos como a velocidade, a configuração de pouso, distribuição de peso e a direção de entrada no sistema de segurança.

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