PF investiga autorizações do Governo de MG para mineração na Serra do Curral

Laudo aponta que autorizações não seguiram procedimento previsto; secretaria nega irregularidades

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Belo Horizonte e Brasília

A Polícia Federal investiga a concessão e manutenção de autorizações do Governo de Minas Gerais, comandado por Romeu Zema (Novo), a duas mineradoras para operarem na Serra do Curral, cartão-postal de Belo Horizonte.

A suspeita é de não cumprimento de regras ambientais necessárias para que a documentação fosse liberada e mantida.

Laudo da PF ao qual a Folha teve acesso aponta que as permissões obtidas pelas mineradoras Gute Sicht e Fleurs Global para as operações deveriam ter seguido critérios mais rigorosos que os exigidos pelo governo para as empresas.

Procurada, a Semad (Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais) diz que que conduz os processos de licenciamento com responsabilidade. As mineradoras não responderam aos contatos feitos pela reportagem.

Parque da Serra do Curral, em Minas Gerais - Glenda Souza/Prefeitura de Belo Horizonte

As autorizações concedidas para o funcionamento das mineradoras na Serra do Curral foram dados por meio de instrumentos considerados precários.

Trecho do laudo diz que a autorização recomendada indica a necessidade de "modalidades de licenciamento de maior relevância, com apresentação de todas as fases (LP, LI e LO), o que não ocorreu".

As siglas são referentes a fases de processos de licenciamento para projetos de impacto ambiental e significam licença prévia, licença de instalação e licença de operação. Esses documentos, para serem concedidos, exigem, por exemplo, medidas compensatórias, como recuperação de vegetação.

Além disso, a perícia questiona a celeridade com que essas mineradoras tiveram autorizações para iniciarem suas operações na região da Serra do Curral, em comparação com outras empresas.

"Os tempos observados entre o requerimento de lavra e a concessão de lavra ou entre [protocolar o pedido para] a licença ambiental e a concessão de lavra, outorgada pela ANM [Agência Nacional de Mineração], foram menores do que aqueles observados para projetos similares, muito deste resultado alcançado em razão da inobservância das práticas ambientais consagradas no setor mineral", diz o laudo da PF.

O documento é assinado pelos peritos criminais federais Marcus Vinícius Tavares da Silva e João Luiz Moreira de Oliveira.

As investigações da Polícia Federal tiveram início em 2020. O laudo, produzido pelo setor técnico-científico da corporação em Minas, é de maio de 2022. A mineradora Gute Sicht acumulada R$ 6,5 milhões em multas ambientais aplicadas pela Prefeitura de Belo Horizonte.

A Serra do Curral está localizada entre municípios da região central do estado, como Belo Horizonte, Sabará e Nova Lima. A região é rica em flora e fauna. Parte já está sob proteção ambiental, inclusive com a criação de parques.

Mas ainda há propriedades de mineradoras, fazendo com que ambientalistas pressionem pelo tombamento de toda a serra, discussão que já dura, pelo menos, quatro anos. As mineradoras Gute Sicht e Fleurs operam na região a partir de TACs (Termos de Ajustamento de Conduta) fechados com o próprio estado.

Em julho, o TJMG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) proibiu a mineração em toda a Serra do Curral.

Segundo o laudo da PF, os TACs firmados com as mineradoras não apresentam estudos ambientais específicos para áreas de relevância e sensibilidade dos componentes ambientais.

"Sendo assim, há necessidade de apresentação das medidas mitigadoras, reparatórias e compensatórias aos impactos a serem identificados nos estudos", aponta o documento.

Conforme mostrou a Folha no domingo (13), o Governo de Minas iniciou a revisão de autorizações dadas a mineradoras para operarem na Serra do Curral, em meio a suspeitas de favorecimento às companhias por integrantes da gestão Zema.

No entanto, integrantes do governo mineiro também passaram a abrir investigações para tentar descobrir como informações a respeito de irregularidades das empresas chegaram à imprensa —o que, internamente, tem sido tratado como um "caça às bruxas".

O subsecretário de fiscalização da Secretaria de Meio Ambiente, Alexandre de Castro Leal, chegou a protocolar um boletim de ocorrência para apurar um suposto extravio de documento sigiloso do setor que comanda.

O documento em questão, que chegou ao Ministério Público de Minas Gerais, apontava "irregularidades ambientais em empreendimentos e atividades no interior do perímetro de tombamento estadual" na região da Serra do Curral, "sendo a maioria destas de conhecimento do órgão regularizador".

"Sugere-se que os concluídos com recomendação, quais sejam, indeferimento ou arquivamento, que seus processos sejam remetidos para a diretoria regional de fiscalização para ciência e providências cabíveis", dizia o relatório.

Internamente, esse documento não é tratado como sigiloso, já que o entendimento é de que relatórios de fiscalização com irregularidades já identificadas e com multas já aplicadas não se enquadram na classificação de reserva ou de sigilo —e deveriam estar no Portal da Transparência.

Porém, procurada, a Semad (Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais) diz que o relatório "é um documento sob sigilo por ter sido produzido pela Diretoria de Inteligência e Ações Especiais, visando amparar outras ações de fiscalização, em eventuais novos desdobramentos".

Também afirma que conduz os processos de licenciamento com responsabilidade.

"A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável esclarece que conduz a análise dos processos de licenciamento, assim como as demais atividades a ela inerentes, com extrema responsabilidade, buscando a melhor técnica e sempre com observância às normas vigentes e aplicáveis", diz a nota do órgão.

"Os processos de licenciamento ambiental são sempre conduzidos com transparência e seguindo os ritos determinados pelas normas", afirma a secretaria, no comunicado.

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