Capitólio troca balada por contemplação em cânions de Furnas

Um ano após tragédia, medidas de segurança contribuíram para mudança no perfil dos turistas que visitam cidade mineira

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Capitólio (MG)

Onde antes havia som alto, com funk e sertanejo como ritmos prioritários, hoje há silêncio. As dezenas de lanchas que congestionavam o lago de Furnas em busca de closes instagramáveis nos cânions de Capitólio (MG) agora também são limitadas.

Nadar em certos trechos não é mais permitido, e as embarcações estão proibidas de parar no ponto turístico, que também tem restrições de visitação em alguns locais.

Um ano após o desprendimento de uma grande rocha ter matado dez pessoas em Capitólio, em 9 de janeiro de 2022, as regras para visitação implantadas desde a reabertura dos cânions, em abril, foram consolidadas pelo setor turístico e órgãos de fiscalização e gradualmente provocaram uma mudança no perfil dos turistas que visitam a cidade mineira.

Turistas fazem passeio de lancha no lago de Furnas em Capitólio (MG), agora com regras rígidas por segurança
Turistas fazem passeio de lancha no lago de Furnas em Capitólio (MG), agora com regras rígidas por segurança - Joel Silva/Folhapress

Não há mais o aspecto de balada na região dos cânions, com turistas sem proteção dançando nas lanchas, nem aglomeração de embarcações no local. O uso de capacetes e coletes salva-vidas é obrigatório. Se chover, os barcos suspendem a ida aos cânions. O objetivo é que o roteiro de três horas de duração seja de contemplação.

O turismo ainda não se recuperou totalmente do baque sofrido com a tragédia e espera que o atual verão colabore para isso, principalmente porque o lago está cheio. Agências ouvidas pela Folha dizem que os turistas que chegam em veículos próprios estão no mesmo patamar de outrora, mas ônibus de excursões minguaram.

"Diminuiu muito durante o ano o turismo, diria que uns 80%. Os turistas de carro têm vindo, mas as excursões, não. As mudanças deixaram o roteiro ainda mais seguro, esperamos que os turistas voltem como antes", disse Nivaldo Paulino Júnior, gerente da Tourvo Experiências, uma das empresas que oferecem a visitação aos cânions.

Há cerca de 200 lanchas, com capacidades de 9 a 25 passageiros cada uma, atuando no entorno da ponte do rio Turvo, de onde partem os roteiros. Conhecer os cânions e outras atrações do lago, como a Lagoa Azul, Ninho dos Tucanos e um bar flutuante, custa em média R$ 100 por pessoa.

"Tem sido difícil, nem todas as lanchas saem todos os dias e empresas têm feito revezamento", disse o agente turístico José Carlos Damasceno.

O que motivou o comerciante Cristiano Oliveira, 45, de Belo Horizonte, a viajar 310 quilômetros com sua família e visitar os cânions foi saber que novas regras tinham sido estabelecidas.

"Sempre quis vir, mas sempre achava que era algo mais para a moçada, não para vir com mulher e filhos. Um amigo veio, disse que não tinha mais som alto e isso me motivou", afirmou.

Quando ocorreu a tragédia em janeiro passado, turistas em uma lancha tentaram avisar outra embarcação que o paredão ameaçava se soltar, porém não conseguiram ser entendidos. Segundo Paulino Júnior, isso motivou o veto ao som no local.

"Adotamos várias medidas para evitar acidentes, como limitar lanchas e proibir som nos cânions, mas não só isso, e a Marinha faz operações, sabe os horários de saída das lanchas. Antes do acidente, havia restrições, mas a fiscalização não era tão intensa como agora", disse o secretário de Turismo e Cultura de Capitólio, Lucas Arantes.

O local em que houve o acidente não está totalmente aberto para visitação, o que só deverá ocorrer após a realização de obras estruturais. A prefeitura e o governo de Minas Gerais assinaram em novembro um convênio para obras de contenção em 2 dos 5 pontos considerados prioritários, que devem levar dois anos para serem concluídas.

Elas foram estimadas em R$ 2,9 milhões, dos quais R$ 2 milhões serão do governo do estado, para a estabilização de taludes rochosos próximos à cachoeira dos cânions, hoje interditados.

O local passa por monitoramento geológico diariamente, e as lanchas só são liberadas para entrada nos cânions se não for detectada nenhuma anormalidade.

"Do ponto de vista turístico, de natureza, é muito mais interessante o passeio hoje, porque você chega lá e contempla. A gente vê coisas que há muito tempo não víamos, como patos nadando ali e pássaros que tinham sumido, voltando", disse o secretário.

A prefeitura estuda, após as contenções necessárias, ampliar a área visitada e até mesmo o número de embarcações, o que hoje está descartado.

ABUNDÂNCIA

Capitólio tem uma vantagem em relação a outras cidades banhadas pelo lago de Furnas, conhecido como o "Mar de Minas", por banhar 34 municípios.

Ainda que o nível do reservatório esteja baixo, isso não prejudica tanto o turismo, ao contrário de localidades como Alfenas, Carmo do Rio Claro, Areado e Formiga.

Agora, porém, o lago está com nível acima do considerado ideal pela Alago (associação dos municípios) e pelo próprio setor turístico.

O desejado em Furnas para atender todas as atividades econômicas e o turismo é que o nível da água esteja 762 m acima do nível do mar.

Na virada do ano, a água estava em 763,23 m, o que significa que ela alcançou 63,95% do volume útil do reservatório, segundo dados do ONS (Operador Nacional do Sistema). O nível máximo é 768 m e o mínimo, 750 m.

No mesmo período do ano anterior, o volume útil era de apenas 28,56%, com a água em 757,18 m —6,05 m a menos de água, num reservatório que chega a ter 220 quilômetros de extensão.

Em setembro de 2021, o volume útil atingiu 14,27%, o mais baixo para o mês desde o apagão de 2001. O regime de chuvas desde então contribuiu para encher o reservatório.

Furnas, localizada entre São José da Barra e São João Batista do Glória, no rio Grande, entrou em operação em 1963 e foi a primeira usina hidrelétrica construída pela empresa, da qual herdou o nome.

Quando as obras começaram, a potência prevista representava um terço do total instalado no país.

INCIDENTES

Apesar das regras na região dos cânions, Capitólio teve incidentes em outros pontos no decorrer do ano com o turismo náutico. Em agosto, uma lancha com 17 pessoas bateu em um barranco e tombou parcialmente e, dois meses antes, duas pessoas morreram depois de um barco tombar.

"Temos a maior marina de água doce da América Latina e a quantidade de embarcações é muito grande, muitos passeios. Há um ou outro incidente, uma embarcação encosta na outra, mas isso não chamava atenção. Agora veem que é Capitólio e as pessoas acham que é mais perigoso que outros lugares, mas não é", afirmou o secretário.

Para tentar atrair esse público mais "contemplativo", Capitólio tem divulgado outras atrações ligadas ao turismo rural, como cachoeiras e fazendas especializadas em cafés e cachaças, além do clássico pão de queijo.

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