Descrição de chapéu Folhajus LGBTQIA+

Agentes de segurança vão à Justiça após casos de LGBTfobia

Vítimas de preconceito, profissionais relatam doenças psiquiátricas, pedem afastamento e até abandonam a carreira

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Brasília

Quando o agente Felipe dos Santos Joseph entrou para a Polícia Militar do Mato Grosso do Sul, em 2018, começou a correr nos corredores da corporação a informação que ele era gay. Assim que a fofoca se espalhava, o tom das "brincadeiras" se agravava.

Ele narra que, em uma conversa informal entre quatro oficiais da corporação sobre qual seria o corte de cabelo ideal para policiais, ouviu de um coronel: "O dele deve ser um topete que usa para pagar boquete".

Joseph pediu afastamento relatando ter passado por crises de ansiedade em meio aos episódios. Nesse período, um superior enviou uma mensagem a ele, que disse não estar trabalhando. Recebeu do major a seguinte resposta: "Tô sabendo... Aids".

O agente da PRF Fabrício Rosa diz ter sido alvo de LGBTFobia dentro da corporação - Pedro Ladeira/Folhapress

Dez meses depois, Joseph tomou coragem para denunciar a situação à corregedoria da PM e anexou à petição as mensagens trocadas com o superior.

Ele também decidiu procurar o Ministério Público após discutir com um superior sobre uma fala preconceituosa. Chamado à sala pelo chefe com mais duas testemunhas, recusou-se a ir e acabou preso por desobediência.

O coronel foi denunciado pela Promotoria sul-mato-grossense por homofobia e abuso de autoridade. A Justiça Militar o absolveu. Posteriormente, o órgão recorreu ao Tribunal de Justiça.

Por mais que ainda não exista uma lei exclusiva, a homotransfobia é considerada crime desde 2019. Em casos de homofobia e transfobia, a lei do racismo é aplicada.

Como a Folha mostrou, a LGBTfobia institucional ocorre de forma silenciosa nas corporações. Doenças psiquiátricas, afastamentos e abandono de carreira são algumas das marcas deixadas nos últimos anos.

Presidente da Renosp (Rede Nacional de Operadores de Segurança Pública LGBTI+), o delegado Anderson Cavichioli diz que instituição tem conhecimento de ao menos dez processos similares na Justiça abertos por profissionais da área.

A Renosp se tornou uma associação em 2018 com o intuito de proteger a população LGBTQIA+ nas corporações. Desde então, acionou o Ministério Público, Defensoria Pública e corregedorias para denunciar casos de LGBTfobia.

"Ainda existe despreparo para lidar com o tema dentro das corporações quando chega um caso de LGBTfobia aos comandos. Algumas pessoas nos relatam que fazem as denúncias, mas elas não seguem. Não se adota nenhuma providência", diz Cavichioli.

Alvo de comentários homofóbicos, o policial Henrique Harrison protocolou 16 ações cíveis com pedidos de indenização por danos morais na Justiça. Como a Folha mostrou, ele narra que sofreu ataques homofóbicos na PM do Distrito Federal e, como consequência disso, teve ansiedade e depressão. A opção para melhorar a saúde mental foi deixar a corporação em março de 2022.

PRF

O policial rodoviário federal Fabrício Rosa afirma que passou por várias situações de LGBTfobia desde 2005, quando ingressou na corporação. Ele chegou a ser denunciado na corregedoria por ser um policial gay. O processo foi arquivado.

Rosa afirma que, em 2011, quando assumiu um cargo dentro da PRF e participava de agendas no Ministério da Justiça, o superior pedia para não mencionar ser gay para não "pegar mal para a corporação".

O episódio mais recente de intolerância aconteceu neste ano, quando o seu nome circulou nas redes sociais como um dos cotados para assumir o cargo de diretor-geral da PRF no governo Lula e houve ataques a ele.

"São inúmeros os casos de LGBTfobia que passei, já vi colegas pedindo para mudar de quarto e viatura durante a missão. Nos últimos anos, a situação se agravou por causa dos ataques do [então] presidente Bolsonaro", afirma o policial.

Para o presidente da Renosp, as ações governamentais nos últimos seis anos se mostraram tímidas e insuficientes para a prevenção e o enfrentamento das violências vivenciadas por pessoas LGBTQIA+ nas corporações.

Cavichioli acrescenta que o despreparo dos comandos começa no ingresso à corporação. Em muitos estados, o tema não é mencionado no curso de formação do agente de segurança pública.

Entre as ações que ele cita serem necessárias para preservar a vida da população LGBTQIA+ dentro e fora das corporações está o investimento em cursos obrigatórios de capacitação dos profissionais da segurança pública.

Atualmente, existe um curso de capacitação feito pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, mas é opcional e na modalidade EAD (educação a distância).

Além disso, segundo ele, a criação de delegacias especializadas e que tenham em seu quadro pessoas LGBTQIA+ seria fundamental para um tratamento específico a esse público.

"Quando uma pessoa procura uma delegacia ela vai relatar uma violação de direitos, então a polícia tem que ser esse instrumento de primeira linha de defesa de direitos humanos. A polícia é a porta de entrada do sistema de Justiça e, dependendo do que acontece nessa entrada, isso afeta todo o percurso."

OUTRO LADO

A Polícia Federal diz, em nota, que a nova gestão assume com a diretriz de respeitar a diversidade dentro da PF, dando maior espaço em cargos estratégicos a mulheres e para a presença de servidores LGBTQIA+ em cargos de direção.

"Será criado dentro da Diretoria de Ensino o Núcleo de Gestão Executiva, Promoção da Diversidade e Inovação, responsável pela promoção de ações educacionais para que o tema possa ser tratado na Academia Nacional de Polícia", afirma a PF, em nota.

A PRF declara, em nota, ter sua cultura fundada no acolhimento à diversidade, em que se inclui o respeito à orientação sexual e à identidade de gênero. Denúncias devem ser levadas às instâncias correcionais e serão investigadas com o rigor que merecem, segundo a corporação.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública afirma, por sua vez, que não irá se manifestar sobre os episódios. "Um estudo completo está sendo feito para ter projetos e propostas concretas para a área."

A Folha procurou todas as secretarias estaduais de segurança do país, que dizem não tolerar atos de LGBTfobia nas corporações.

As de Goiás, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Rio Grande do Sul, Ceará, Minas Gerais e Tocantins dizem que ofertam disciplinas durante a formação ou durante a carreira do policial que englobam a LGBTfobia.

O governo goiano acrescenta ter inaugurado, em agosto de 2021, a primeira delegacia especializada para o atendimento direcionado a essas vítimas.

No Paraná, a secretaria disse que mantém um grupo de trabalho específico, com a participação de representantes LGBTQIA+, sociedade civil, OAB, TJ, Ministério Público e de todas as forças policiais estaduais. A intenção é elaborar políticas públicas e melhorias para que todos tenham um atendimento humanizado.

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