Descrição de chapéu Mobilidade transporte público

Dez anos após protestos de 2013, passagem de ônibus na Grande SP até dobra de preço

Hoje, 27 cidades da região cobram tarifas maiores do que a capital paulista

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Carolina Maria, Evelyn Fagundes, Halitane Rocha, Jessica Bernardo e Paulo Talarico
Cotia, Guarulhos, Osasco e São Paulo | Agência Mural

O terminal Amador Aguiar fica no limite entre as cidades de Osasco e São Paulo, com ônibus que atendem os dois municípios. Por R$ 4,40, é possível pegar uma condução até o Anhangabaú, no centro paulistano, a 15 km dali. Para o centro osasquense, a distância é de apenas 3 km e são dez minutos. O preço? R$ 5,30.

Essa diferença de custo tem sido a regra na maior parte da Grande São Paulo. Com os últimos reajustes da passagem aprovados desde o final do ano passado, ao menos 27 cidades já cobram tarifas mais caras do que a capital para quem depende do transporte público municipal. A desigualdade nos preços tem aumentado, enquanto a prefeitura da capital congelou em R$ 4,40 a tarifa. Essa situação não começou agora.

Coletivo em frente a um terminal de ônibus
Cotia e outras cidades da região aumentaram o preço para R$ 5,30 - Léu Britto/Agência Mural

Até 2013, os municípios da região metropolitana cobravam em geral o mesmo valor que São Paulo. Em junho daquele ano, uma série de protestos contra o aumento das tarifas fez com que a prefeitura da capital recuasse e mantivesse o preço em R$ 3. As prefeituras vizinhas, que também tiveram manifestações, seguiram a decisão.

De lá para cá, essa unidade acabou, com regiões que chegaram a duplicar o valor da passagem nos últimos dez anos, mostra levantamento da Agência Mural.

Treze cidades tiveram reajustes que superam a inflação, que foi de 74% nesse período. No ABC, por exemplo, São Bernardo do Campo passou a cobrar R$ 5,75 neste ano, 91% a mais do que em 2013. Em Guarulhos, andar de ônibus pode custar até R$ 6,20 para quem paga o vale-transporte e R$ 5,30 para os demais usuários, 76% acima do que em 2013.

Em Cotia, o município de 250 mil habitantes cobrava menos do que São Paulo há dez anos. Eram R$ 2,60. Hoje, são R$ 5,30.

"Pagamos muito alto e não temos um transporte de qualidade", desabafa o auxiliar de compras Reginaldo de Jesus Pereira, 38, morador do bairro Mirante da Mata, a cerca de 15 minutos do centro de Cotia.

"Além do valor abusivo, quando não estão superlotados no horário de pico, demoram demais. Nos fins de semana, o número de ônibus reduz muito, e os intervalos são longos."

Pereira usava o ônibus municipal diariamente para ir trabalhar, mas decidiu alternar com o uso do carro durante a semana.

A Prefeitura de Cotia afirma que a decisão pelo último reajuste foi tomada por causa do aumento "nos preços dos insumos, especialmente do óleo diesel, que poderiam acarretar prejuízos aos serviços oferecidos à população".

A confeiteira Ana Júlia, 22, moradora do Jaguaribe, em Osasco, diz haver demora nos coletivos e se queixa do terminal do centro, onde o espaço é aberto e, quando chove, fica difícil de se proteger. "Sempre aumentam [o preço] e nunca tem melhorias, por ser transporte público deveria ser investido um pouco mais."

A Prefeitura de Osasco declara que a idade da frota na cidade é de seis anos, que os ônibus contam com ar-condicionado para melhorar o conforto dos passageiros e que está em "fase final" um projeto para o terminal que vai contemplar "reforma e modernização" do espaço.

Ônibus circular em uma via próxima ao Terminal Cotia
Ônibus perto do Terminal de Cotia, na Grande São Paulo - Léu Britto/Agência Mural

Por lá a tarifa aumentou de R$ 5 para R$ 5,30 no começo deste ano. No entanto, em abril do ano passado, a cidade já havia aumentado o preço de R$ 4,50 para R$ 5. Municípios vizinhos, como Barueri, Cotia, Carapicuíba e Itapevi, fizeram o mesmo movimento.

"Osasco, assim como as demais cidades da região, aguardava subsídio do governo federal para manter a tarifa no mesmo valor", afirma a prefeitura, que ressalta que, antes disso, o último aumento foi em 2019. "Diante dos aumentos dos combustíveis e sem subsídio do governo federal, ficava inviável para as concessionárias a manutenção dos serviços."

A gestão também cita que houve queda no número de passageiros devido à pandemia de Covid-19.

Algumas prefeituras afirmam não ter condições para pagar subsídios —uma quantia extra para compensar os gastos das empresas que operam os veículos. Em São Paulo, por exemplo, a Prefeitura paga atualmente R$ 4,7 bilhões para manter os custos de transporte em R$ 4,40. Agora, a gestão diz estudar a tarifa zero.

O coordenador do programa de mobilidade do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), Rafael Calabria, afirma que as manifestações de 2013 puseram o reajuste da tarifa na pauta dos políticos, mas que os governos ainda precisam trabalhar o tema para melhorar a qualidade do transporte público no país.

Uma das alternativas para o problema dos custos, sugere ele, é nacionalizar o debate sobre a mobilidade. A pauta sobre o transporte nas cidades chegou a ser citada pela equipe de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda no governo de transição.

Outra medida importante, aponta Calabria, é a criação de gestões regionais de transporte, como já acontece em algumas regiões do país, o que poderia evitar essa diferença entre cidades próximas e unificar o transporte. "A gente tem hoje no Brasil três exemplos, que são Goiânia, o mais antigo, Recife, e agora Vitória, que está implementando um sistema metropolitano unificado. Você tem um sistema só, uma tarifa."

Calabria acrescenta que vincular o pagamento das empresas de transporte à lotação, modelo utilizado atualmente em várias cidades, estimula o encarecimento da tarifa e a piora do serviço. Ele defende que as empresas recebam por custo de viagem, de forma que os empresários recebam mais se fizeram mais viagens e com maior qualidade.

"Quando a tarifa fica mais cara, tem pessoas que não vão conseguir pagar esse novo valor, então você perde passageiros. Quando você perde esse passageiro, você precisa aumentar de novo. É um círculo vicioso", afirma.

PROTESTO

Em Guarulhos, o reajuste tem mobilizado moradores, movimentos sociais e partidos políticos. Foi marcada para o dia 17 deste mês uma manifestação em frente à Igreja Matriz, no centro da cidade.

Morador do Jardim Santa Emília, Pedro Melo, 19, é um dos organizadores do ato e afirma que há críticas sobre a qualidade do transporte e, também, sobre o período em que foi feito o anúncio, nos últimos dias de dezembro. "Considero antidemocrático esse movimento porque atrapalha o morador de opinar, se mobilizar e participar das discussões."

Na cidade, há três tipos de cobranças: R$ 6,20 para as empresas que pagam o vale transporte, R$ 5,30 para pagamento em dinheiro e R$ 5,10 para quem utiliza o Cartão Cidadão, espécie de bilhete único municipal.

Além de defender a reversão do ajuste, o movimento pretende pautar o passe livre estudantil e, em um passo mais à frente, o passe livre geral.

Na Grande São Paulo, a tarifa zero tem sido experimentada por cidades pequenas, como Vargem Grande Paulista, onde vivem 54 mil habitantes e a frota conta com sete ônibus. Embu das Artes também discute implantar a gratuidade.

"As empresas aproveitaram o discurso da pandemia para diminuir a frota, achando que a população não iria perceber, mas a população percebeu".

A STMU (Secretaria de Transportes e Mobilidade Urbana) de Guarulhos afirma que "o transporte público conta com a operação de 100% de sua frota de ônibus e micro-ônibus, realizando ajustes operacionais em dias e horários com maior ou menor demanda".

Sobre o reajuste, a prefeitura afirma que a última alta "foi 3,3% menor que a inflação acumulada". "Desde que a atual gestão assumiu, em 2017, a tarifa teve uma variação, contando com o novo reajuste, de 22,9%, enquanto a inflação no mesmo período foi de 35,6%".

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