Descrição de chapéu Obituário João Saturno (1944 - 2023)

Mortes: Mestre João do Boi levou o samba chula para o mundo

Em 2021, João Saturno foi personagem do documentário 'João do Boi Gritador de Chula'

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Salvador

"Acaba essa pandemia, que é pra gente sambar. Antes de eu morrer, a gente samba um bocado", desejou, em maio de 2021, João Saturno, mais conhecido como João do Boi, mestre na tradição oral da chula, vertente do autêntico samba de roda de Santo Amaro, na Bahia.

O ritmo remete a uma mistura do lamento entoado pelos antigos escravizados nas lavouras com os batuques característicos das religiões de matriz africana, as ladainhas católicas das romarias, as cantigas das marisqueiras e o canto do vaqueiro que tange a boiada para o pasto.

As chulas gritadas por João do Boi se apresentam em forma de ludismo, parábolas, metáforas, piadas e conselhos irônicos que ilustram situações tragicômicas do cotidiano local, a lida na roça, a vida do boiadeiro, o trabalho das marisqueiras e as festas religiosas.

João Saturno (1944-2023)
João Saturno (1944-2023) - @sambachula no Instagram

Gritador do grupo Samba Chula, João do Boi dizia ter começado, ainda menino, a frequentar, escondido, as rodas de samba pelos diversos povoados de Santo Amaro, entre os quais São Braz, terra natal onde espalhou suas sementes.

"Para mim, é um prazer, uma distração, uma coisa que tá no mundo. Cada um tem que deixar sua semente no mundo", declarou, na ocasião, em uma entrevista para a TVE Bahia, pouco após a gravação de um clipe com um pot-pourri de três músicas do grupo.

Por mais de cinco décadas, João do Boi, um simples trabalhador rural semianalfabeto, apresentou a principal expressão cultural de sua terra a vários países do mundo, como Dinamarca, Israel, Bélgica, Holanda e França.

Em 2021, foi personagem do documentário "João do Boi Gritador de Chula", dirigido pelo jornalista, pesquisador e produtor cultural Fidelis Melo, autor de dissertação sobre o mestre, que também assina a produção fonográfica do álbum "A Chula de São Braz", a ser lançado.

A relação dos dois surgiu a partir de 2016, quando Melo, que também trabalha na Secretaria de Cultura da Bahia, foi procurado pelo gritador para apoio com instrumentos. "A história dele me encantou. Para além da relação profissional, era um amigo, um pai, um ídolo", disse.

No intervalo de quase dois anos após o auge da pandemia de Covid, João do Boi se preparou para viver a felicidade de voltar a se apresentar com o grupo em sua terra natal, um povoado rural margeado pela Baía de Todos-os-Santos.

No dia 8 janeiro, João do Boi acordou de madrugada, como bom vaqueiro, tomou café antes da numerosa família acordar e saiu para os preparativos finais da tão esperada festa. A expectativa era grande por parte dos moradores, quase todo mundo parente um do outro.

"A emoção foi tão grande, que, durante a passagem de som, ele passou mal e não resistiu", lamentou a neta Thaylane Saturno, 21. "Mas ele foi do jeito que ele queria, pois sempre falava que queria morrer no samba", emendou a filha, a marisqueira Elisângela Saturno, 44.

Nascido em 13 de junho de 1944, filho de dona Maria Adelina com seu José Saturno, João do Boi faleceu em 8 de janeiro. Foi sepultado com festa no cemitério de São Braz. "O velório teve samba até de manhã, do jeito que ele pediu", afirma a neta.

"Quero que isso prossiga. Mesmo se eu morrer, eu não quero que o samba acabe. Quero que vá pra frente. É um prometimento entre os meus irmãos, que sambaram. Quando morrer, não deixe o samba acabar. Bote pra frente", pediu João do Boi no documentário.

João do Boi teve 18 filhos, mas deixou vivos apenas sete —Ana, Eliana, Eliene, Edicilane, Elisângela, Maria e Edson—, além de 15 netos, 14 bisnetos e demais familiares.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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