Descrição de chapéu Obituário Sérgio Roberto dos Santos (1963 - 2023)

Mortes: Um dos fundadores do Ilê Ayê, idealizou a Noite da Beleza Negra

Inteligente e visionário, Sérgio Roberto dos Santos agregou brilho e deu fama mundial ao evento pré-carnavalesco

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Salvador

Quando a valorização da cultura negra ainda era uma realidade distante, diante da imposição dos padrões eurocentrados, Sérgio Roberto dos Santos já fazia parte de um grupo que se formou para debater o racismo na maior festa de Salvador: o Carnaval.

Foi em meados dos anos 1970 que os amigos abriram caminho para que os negros barrados nos blocos tradicionais pudessem desfilar em uma agremiação, na cidade de maior população negra fora do continente africano.

Nascia ali o primeiro bloco afro do Brasil, o Ilê Ayê, inspirado na luta pelos direitos civis, no movimento Black Power e no ativismo dos Panteras Negras nos Estados Unidos. O Brasil atravessava uma ditadura, enquanto na África do Sul vigorava o apartheid.

Sérgio Roberto dos Santos (1963-2023)
Sérgio Roberto dos Santos (1963-2023) - Aurea Maria de Sant Anna dos Anjos

Em 1975, um ano após a fundação do Ilê, Sérgio Roberto idealizou a Noite da Beleza Negra, que passou a eleger a rainha do bloco no Carnaval, a Deusa do Ébano. Desde então, o concorrido evento pré-carnavalesco atrai gente de todo o mundo.

"Sérgio era um visionário, sempre foi muito inteligente, uma pessoa à frente do nosso tempo", observou Antônio Carlos dos Santos, o Vovô, fundador à frente do bloco. "Desde a fundação do Ilê, a gente fazia a escolha da rainha do bloco, mas partiu dele a ideia de dar mais brilho ao evento", reconhece.

Vovô lembra que, inicialmente, a escolha da rainha era algo improvisada, sem muita divulgação. "Às vezes, alguém ia passando na rua, a gente chamava: não quer participar, não? Quando batizou de Noite da Beleza Negra, mudou tudo", recorda.

À época, as mulheres negras costumavam alisar o cabelo crespo com ferro quente. "O pessoal passou a usar o cabelo trançado, black power, turbante, roupa colorida com tecido africano", descreve.

O crescimento do evento, contudo, não aconteceu sem que houvesse resistência dos tradicionais clubes sociais da capital baiana. "A gente ainda não tinha sede e tinha dificuldade de alugar um espaço. Os clubes de branco não queriam receber a Beleza Negra", conta.

Com o passar dos anos, além da multidão de anônimos, o evento passou a atrair gente famosa, não só do Brasil, mas do exterior, como a top model Naomi Campbell, o cineasta Spike Lee, e a ativista Graça Machel, viúva de Nelson Mandela, entre outros.

Sobrinha de Sérgio Roberto, a titular da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial da Bahia, Ângela Guimarães, se emociona ao falar do tio. "Nós, as sobrinhas mais próximas, éramos como filhas. Foi uma pessoa muito cuidadosa, amorosa, sensível, humana", diz.

Da convivência com o tio fica o estímulo à educação, à leitura, às coisas refinadas e ao ecletismo musical, bem como os ensinamentos de cidadania e o respeito ao próximo. "Não tinha preconceitos. Nos ensinou a tratar a todos com a mesma deferência", afirma.

Um dos 12 filhos de Elza Portela com Sérgio José, Sérgio Roberto dos Santos veio ao mundo em 8 de novembro de 1963 pelas mãos de uma parteira na casa onde passaria a vida, no bairro do Curuzu, um antigo aglomerado de resistência quilombola na capital baiana.


Sérgio Roberto morreu no último dia 22, em um hospital de Salvador, após um pico de hipertensão. "Historicamente, a população negra sofre com uma série de comorbidades, desde a escravização à precarização das condições de vida, acentuadas pelo racismo", lamenta a sobrinha.

O corpo do produtor cultural foi cremado no dia seguinte, no cemitério Bosque da Paz, na capital baiana. Sem filhos, Sérgio Roberto deixou os irmãos Dilza, Cleusa, Alzira, Nelson, Lícia e Lígia, mais de duas dezenas de sobrinhos, demais familiares e amigos.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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