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Rio põe concreto no fundo da areia de praia e revolta especialistas

Objetivo da obra na Barra da Tijuca é evitar danos causados por ressacas; intervenção foi suspensa após notificação do MPF

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Rio de Janeiro

A Prefeitura do Rio de Janeiro iniciou a execução de uma obra na praia da Barra da Tijuca (zona oeste) que instala um material de concreto sob a areia com o objetivo de reduzir os danos provocados por ressacas na orla.

A intervenção revoltou especialistas de ao menos quatro universidades e foi suspensa na última quarta-feira (1º), após uma notificação feita pelo Ministério Público Federal. A Procuradoria questiona, entre outros pontos, a ausência de estudo de impacto ambiental para a movimentação da faixa de areia.

Vista de obra na praia da Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro, feito para reduzir danos de ressacas; especialistas apontam riscos - Eduardo Anizelli/Folhapress

A obra tem como objetivo reduzir os efeitos das ressacas principalmente no calçadão e em quiosques da orla. Especialistas da UFRJ, Uerj, UFF e PUC-Rio organizaram um abaixo-assinado apontando o risco de que a movimentação possa, na verdade, ampliar danos futuros.

A obra prevê, segundo a prefeitura, a instalação de colchões articulados feitos de concreto e uma manta geotêxtil preenchida com areia da própria praia para estabilizar o local. O contrato de R$ 10,6 milhões também inclui a implantação de vegetação de restinga e a reestruturação de passeios e pavimentos danificados.

A instalação do material na faixa de areia está prevista para sete pontos da Barra da Tijuca que perfazem uma extensão de 1,2 quilômetros entre os postos 3 e 8 e tinha prazo de conclusão de seis meses. A intervenção na faixa da areia começou em dezembro num dos pontos e foi interrompida sem ser concluída, após a notificação do MPF.

Em nota, a prefeitura afirma que "o município protocolou no portal do MPF mais de 100 documentos relativos aos ensaios, estudos de engenharia costeira, elementos técnicos e projetos que corroboram as obras de recuperação dos taludes da Barra da Tijuca".

O uso de concreto e a movimentação de maquinário pesado na praia assustou oceanógrafos e engenheiros.

Parecer técnico assinado por 26 professores e especialistas na área aponta que os colchões de concreto podem agravar os danos provocados pelas ressacas. O principal problema, na avaliação do grupo, é a possível redução na infiltração da água do mar na areia durante as ressacas, ampliando o impacto das ondas e a redução da orla.

"Estruturas rígidas fazem refletir a energia das ondas que retornam ao mar com mais energia retirando a areia da praia e aumentando sua declividade. Esse fenômeno leva à diminuição progressiva da largura da praia (perda da área recreativa) e aumento de sua declividade, fazendo com que as ondas de alta energia em eventos de ressaca do mar quebrem mais próximas da orla onde estão localizados o calçadão, a ciclovia e quiosques", afirma o texto.

O grupo questiona, inclusive, a necessidade da obra. Estudo de professores da Uerj e da UFRJ indica que a praia da Barra está em "equilíbrio dinâmico", com redução da faixa de areia em períodos de ressaca e recuperação natural posterior.

Laudo técnico da Procuradoria afirma também que a obra está "em dessintonia com o que dispõem a literatura técnica e as normativas pertinentes ao ordenamento costeiro".

"Não há relatos da implantação dessas estruturas no litoral brasileiro, o que prejudica uma análise sobre a funcionalidade do método segundo as especificidades do processo erosivo instalado na área investigada", diz o documento.

Impacto ambiental

O MPF também questiona a ausência de estudo de impacto ambiental para a realização da obra. O procurador Sergio Suiama afirma que as praias são áreas de preservação permanente, motivo pelo qual exigem relatório detalhado dos possíveis impactos.

Os documentos enviados pela prefeitura à Procuradoria indicam que houve apenas a emissão de uma licença da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, sem a realização do EIA/Rima (estudo de impacto ambiental e relatório de impacto ambiental). O documento afirma apenas que os executores da obra precisam garantir o replantio da vegetação de restinga que será retirada para a intervenção.

A obra tem como consultor o engenheiro e oceanógrafo David Zee, professor da Uerj que se classifica como um especialista com "vários chapéus" —"sou oceanógrafo, engenheiro costeiro, engenheiro civil e trabalho na comunicação social também".

Zee afirma que concorda com toda a fundamentação teórica da crítica à obra, mas diz que o parecer dos professores universitários se encaixa num ambiente natural, e não numa praia já marcada pela intervenção humana.

"Eles mesmos confessam que não tiveram acesso ao projeto, né? Então toda a fundamentação deles está no mínimo prejudicada. Fico satisfeito porque consideramos tudo isso que eles estão falando. Estão sendo usadas técnicas muito modernas", afirmou.

Zee diz que o material instalado não é um bloco de concreto habitual, mas uma estrutura mole com porosidade que não altera a infiltração da água na areia e permite a acomodação natural causada pelo impacto das ondas.

"Não pode ser um negócio impermeável. É o conceito da engenharia costeira moderna. Estruturas moles que se acomodam em função da variabilidade do regime de ondas. Eu tinha que ter uma manta que desse uma certa resistência adicional à praia em eventos extremos para não continuar cavando e ameaçar a fundação da estrutura do calçadão", disse o consultor da obra.

Ele afirma que a técnica já foi empregada em alguns locais, mas não soube identificar quais. "Isso aí o pessoal que importa o material é que sabe. [....] Adaptei conceitos para a realidade local. Imagine que eu vá fazer uma feijoada, mas, em vez de colocar carne de porco, coloco de galinha."

O consultor diz que analisou por meio de reportagens e outros registros os danos "funcionais, físicos, psicológicos, de insegurança social e risco de vida com afogamentos" já causados pelas ressacas para definir os pontos prioritários para a obra. Ele apontou dificuldades em obter precisão nesses registros, mas afirmou considerar que a obra é urgente.

"Se eu fosse só teórico [diria]: 'Não, vamos fazer um estudo de mais de dez anos e monitorar. Aí sim nós vamos fazer a obra'. Nisso a praia já foi embora, né? O calçadão foi embora. Ninguém tem noção de como é que vai evoluir essas ressacas, essas mudanças climáticas. Então nossa missão é consertar o avião voando."

O tempo é o mesmo argumento utilizado pelo especialista para a não realização de estudo de impacto ambiental.

"Você quer fazer licenciamento ambiental? Vai demorar mais um ano com todos os estudos de como tem que ser feito. E aí pode continuar a destruição. Quando terminar o licenciamento ambiental, nós vamos ter que fazer outra porque o rombo foi maior ainda. Se for observar toda a cartilha, fica inexequível."

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