Descrição de chapéu

Ecos letais da escravidão

Sob o pretexto da guerra às drogas, vemos a criminalização de pessoas negras e pobres, reforçando o racismo que permeia a sociedade brasileira

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Dudu Ribeiro, Juliana Borges e Rodrigo Mesquita

Tramita no STF (Supremo Tribunal Federal) o julgamento do Habeas Corpus 208.240 sobre a ilegalidade das provas obtidas em abordagens policiais baseadas na cor da pele.

O caso emblemático de Francisco Cícero do Santos Júnior, abordado pela polícia e preso com quantidade ínfima de 1,53 grama de cocaína em Bauru (SP), representa uma realidade que se estende a milhares de pessoas negras em territórios periféricos e empobrecidos do Brasil: um exemplo eloquente das inconstitucionais abordagens baseadas na cor da pele.

Ativistas e grupos antirracistas realizam a 19ª Marcha da Consciência Negra saindo do Masp, na avenida Paulista, até o Theatro Municipal, na região central de São Paulo - Rivaldo Gomes - 20.nov.2022/Folhapress

21 de março é marcado pelo Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, que nos lembra o fato de que, em 2020, 79% das pessoas mortas pela polícia no país eram negras, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Números como esses são alarmantes e demonstram que a violência policial está entre as principais causas de morte de pessoas negras no Brasil. É inaceitável que a população negra continue sendo vítima de abordagens policiais que ora acabam em prisões ilegais, ora terminam com a vida de quem já é alvo certo de violações de direitos.

O que acontece no Brasil é um genocídio. São pessoas assassinadas em um fogo cruzado permanente, que impacta também a vida das crianças: escolas são fechadas por causa dos tiroteios, moradores não podem andar nas ruas e acessar outros direitos como saúde e comida. Além da letalidade da polícia, há diversos outros direitos negados às pessoas negras do Brasil em nome da guerra às drogas.

A Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas participa do processo como amicus curiae do HC 208.240 em conjunto com a Coalizão Negra por Direitos, Conectas Direitos Humanos, Educafro, IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), Instituto de Referência Negra Peregum, ITTC (Instituto Terra Trabalho e Cidadania) e Plataforma Justa. Como organização da sociedade civil que coloca em pauta a política de drogas a partir da perspectiva do combate ao racismo, a Iniciativa Negra entende que é indissociável a relação entre racismo e guerra às drogas, que se mostra como um mecanismo contemporâneo de controle da população negra e de continuidade das desigualdades sociorraciais.

A democracia brasileira tem sido vítima de diversas ameaças, incluindo a proibição das drogas que enfraquece nossas instituições, na medida em que tal indústria necessita de um mercado ilegal baseado na corrupção para seu exercício. Mas devemos lembrar que o racismo é componente estrutural da guerra às drogas, pois a mesma segue dividindo os maiores prejuízos com a população negra, envolvendo desde as abordagens policiais até a falta de oportunidades e de acesso a direitos básicos por parte da população negra.

Portanto, é fundamental que o Supremo Tribunal Federal se posicione pela nulidade das provas obtidas em abordagens policiais baseadas na cor da pele, dando um passo essencial para a criação de medidas regulatórios sobre tal atividade, incentivando protocolos objetivos que garantam transparência por parte das forças policiais no serviço prestado para a população. Coibindo equívocos por parte dos agentes e garantindo maior confiança e credibilidade diante de sua atuação por parte da população. Assim, será possível também caminhar em direção a medidas reparatórias para a população negra que, assim como a democracia, é vítima da guerra às drogas.


Dudu Ribeiro é cofundador e coordenador executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas. Formado em História pela Universidade Federal da Bahia e especialista em Gestão Estratégica de Políticas Públicas pela Unicamp/FPA. É membro fundador da Rede Latino Americana e do Caribe de Pessoas que Usam Drogas (Lanpud). É coordenador da Rede de Observatórios da Segurança na Bahia, e atualmente ocupa uma cadeira na representação da sociedade civil no Conselho de Segurança Pública do estado da Bahia, gestão 2021-2023.

Juliana Borges é escritora, atua na área de advocacy da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, é conselheira da Plataforma Brasileira de Política de Drogas e estuda Segurança Pública. É autora dos livros "Encarceramento em Massa" (Jandaíra, 2019) e "Prisões: espelhos de nós" (Todavia, 2020) e colunista da Revista 451 e de especial sobre Segurança Pública e Política de Drogas, publicado em Le Monde Diplomatique Brasil.

Rodrigo Mesquita é advogado constitucionalista, ex-conselheiro do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, onde representava o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

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