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Paulo Fernando S. Pereira

Onde estão os negros no novo governo?

Até agora são raros os cargos com poder decisório

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Paulo Fernando S. Pereira

Procurador federal na Advocacia-Geral da União (AGU), é doutor em direito (UnB) com pós-doutorado na PUC-Rio; é pesquisador de relações raciais

A posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi permeada pela simbologia da diversidade, atributo marcante do povo brasileiro, como registrou Darcy Ribeiro. Tal diversidade, porém, deve ser preocupação para além dos rituais que caracterizam a passagem do poder. Assim, é preciso chamar atenção para a necessidade de prestigiar efetivamente negros nos médios e altos cargos do governo federal, o que vem acontecendo de forma tímida.

Após a instituição das cotas no serviço público, a administração brasileira dispõe de razoável contingente de servidores negros qualificados em todos os seus ramos. Infelizmente, o que se observa pelas nomeações no Diário Oficial é que as escolhas recaem sobretudo em sujeitos que já conhecemos a cor, bastando conferir a alta direção de órgãos de relevo como a Advocacia-Geral da União (AGU). Aos negros, salvo exceções, tem-se oferecido cargos com pouco ou nenhum poder decisório, espécies de quartinhos de empregada burocráticos. E por que isso acontece mesmo diante da reascensão de partido progressista na pauta racial?

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A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco - Gabriela Biló/Folhapress

A resposta, já dada por Guerreiro Ramos ou Cida Bento, consiste no prestígio narcísico em se enxergar unicamente pessoas próximas aos círculos de classe e raça, invisibilizando os negros racialmente afastados de tais círculos na hora das escolhas para altos e médios cargos. E, aqui, não estamos falando de cargos de políticos, mas de natureza técnica, assessoria e consultoria.

A experiência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao fazer um censo, verificar a existência de racismo institucional e tomar medidas para prestigiar magistrados e servidores negros, bem como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ao instituir cotas para negros, são exemplos significativos.

Ao novo governo, ao tempo em que se elogia o essencial discurso da diversidade, cobra-se o necessário prestígio de negros em sua composição burocrática. Não é crível que negros tenham que fazer prova de competência raramente exigida de brancos. Não é tolerável que negros, não raras vezes, com vasta experiência, mestrado ou doutorado, tenham que ouvir que não estão capacitados para os cargos decisórios do Estado. Isso, além de violento, causa enorme desarticulação das políticas federais em pauta.

Não custa lembrar a crítica que sempre se lança a respeito de certas políticas públicas no sentido de que elas são gestadas nos gabinetes, em Brasília, com pouca ou sem correlação com a complexa e diversa realidade do Brasil. Efetivamente, a alta e média administração federal são urbanas, oriundas das classes médias e brancas. De outro lado, tem-se um país periferizado, empobrecido, extremamente criativo e negro.

Os servidores negros, em sua maioria, já conhecem a realidade e necessidades do Brasil. Portanto, seria lógico que o governo estivesse atrás desses talentos, não os renegando ao ostracismo ou exigindo validações desnecessárias em momento singular do Brasil. Assim, a necessária proposta da ministra Anielle Franco (Igualdade Racial), ao propor decreto que reserva 30% dos cargos de alto escalão para negros, é urgente

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