Em protesto, população cobra moradia e auxílio social em São Sebastião

Centenas de moradores da cidade do litoral paulista participam neste sábado (11) de ato pacífico

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São Sebastião (SP)

Desde que a empregada doméstica Maria Nilda Oliveira Santos Félix, 53, deixou sua casa no morro do Esquimó, em Juquehy, por volta das 5h do dia 19 fevereiro, não pisou mais lá. O cenário de terra arrasada com a chuva histórica em São Sebastião, no litoral paulista, a deixou traumatizada.

Marinalva Vieira dos Santos, 55, teve a sua casa interditada e, nas últimas três semanas, conta com a acolhida de conhecidos para dormir e veste roupas que lhe foram doadas.

Na manhã deste sábado (11), elas estavam entre as centenas de moradores, boa parte deles com trajes pretos, ocuparam a praça dos Estudantes, ao lado da rodovia Rio-Santos, para expor seus dramas e a insatisfação com o poder público.

Moradores se reúnem neste sábado (11) na praça dos Estudantes, em São Sebastião, litoral norte paulista - Ronny Santos/Folhapress

Depois, por volta das 12h30, encerraram a manifestação com uma caminhada pelas ruas mais afetadas pelos deslizamentos de terra, onde muitas casas estão interditadas e ainda há móveis, eletrodomésticos e louças dos moradores.

Em dado momento, Mirian Jesus Souza, 50, deu um tapa na parede de um vistoso sobrado de esquina e gritou, "o que Deus me deu o diabo não vai tirar". Com a sua residência interditada, ela foi acolhida por amigos na praia da Baleia. "Aqui era uma comunidade, os vizinhos zelavam um pelo outro, fazíamos churrasco. Nunca vi uma desgraça tão grande", afirma ela, que trocou a Bahia por São Sebastião há 29 anos.

A principal cobrança da população, parte dela desalojada, refere-se à construção de novas moradias.

No protesto, organizado por movimento ligado à esquerda, a população foi convidada a discursar e fez críticas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e ao prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto (PSDB).

"Não podemos passar pano para nenhum político, principalmente os que foram omissos com o desmatamento da Amazônia. Essa tragédia é consequência de tudo isso", afirmou Sumar Graciano, 55, vendedora de um brechó.

"Vem, aqui, o prefeito [Felipe Augusto] e diz que vão nos mandar para Boiçucanga, como se fôssemos objetos. Tenho minha casa, construí um brechó na sala para o meu sustento, é a minha vida", diz Sumar.

O déficit habitacional em São Sebastião está estimado entre 8.000 e 10 mil casas. Em dez anos, a cidade recebeu apenas 166 unidades do programa de moradia do governo estadual. No mesmo período, em todo o estado, foram entregues 67,3 mil moradias.

Os moradores cobraram também transparência dos recursos prometidos pelos governos federal e estadual, assim como pleitearam o repasse das doações enviadas ao litoral norte por ONGs, cidadãos e empresas.

"Desde quando saí de casa, não voltei nem para buscar as roupas porque colocaram uma placa de que será demolida. Já fui à assistente social e dizem que preciso esperar. Só que eu estou sem nenhum auxílio social, nem de aluguel, nem de moradia", reclama Marinalva. "É simples colocar uma placa de demolição, mas a casa é minha história, é onde nasceram meus três filhos, meus seis netos."

A casa de Maria Nilda, segundo ela, não está com o destino selado. O drama, neste caso, é o psicológico. "Na minha rua, mais de 20 casas foram levadas e vi um vizinho morto. Não tenho forças para voltar e recomeçar. Só se Deus mandar uma ordem, porque o homem não faz voltar", afirma ela. "Saí tão sem rumo, achei os moradores numa igreja e fique lá nas primeiras semanas. Hoje, estou na casa da minha patroa."

Após o momento de discursos, os moradores deram a mão e também houve um minuto de silêncio em homenagem às 65 pessoas quem morreram em decorrência das chuvas.

Miraídes Silva, 34, queixava-se bastante da ausência dos vereadores na manifestação na praça. "Amanhã [domingo], eles vêm aqui, gostam desta praça para pedir voto. Cadê o prefeito que recebeu os recursos, e ninguém viu o dinheiro?", disse ela.

Minutos depois, por volta das 11h10, Pauleteh Araújo (PP) chegou ao local. "Quem quiser falar comigo sobre doações, sobre valores de Pix, estou aqui. Em momento nenhum deixei a comunidade", disse a vereadora, bastante aplaudida. Outra política a discursar foi a deputada estadual eleita Ediane Maria (PSOL).

Como a Folha mostrou, nesta sexta (10), vereadores estariam insatisfeitos com a ausência de detalhes sobre a utilização dos recursos solicitados pelo prefeito Felipe Augusto (PSDB), segundo o presidente da Casa, Marcos Fuly (DEM). Com isso, há pedidos travados na Câmara para liberação de recursos e contratação de financiamentos para amenizar os efeitos da tragédia.

Ao lado do clima tenso na praça dos Estudantes, crianças da comunidade do Sahy viviam um sábado de diversão na quadra esportiva. A ONG Hambúrguer do Bem, sediada em Guarulhos, montou brinquedos, cama elástica e oficinas de pintura e desenho, além de servir sanduíches e batata frita para mais de 150 crianças.

Questionado sobre o protesto, o Governo de São Paulo disse que equipes da SDHU (Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação) já identificaram quatro terrenos para construção de moradias destinadas às famílias desabrigadas e desalojadas em São Sebastião. Eles têm, ao todo, 71.248 metros quadrados e estão em Topolândia, Baleia Verde, Maresias e Vila Sahy.

"O total de moradias e de investimento será anunciado após conclusão de estudos que estão em andamento. Todas as construções serão em locais seguros, fora das áreas de deslizamento e inundação", disse o Palácio dos Bandeirantes.

O governo estadual também afirmou que cerca de mil pessoas estão acolhidas em hotéis e pousadas da região e recebem três refeições por dia. Além disso, a gestão Tarcísio promete transferir famílias para 300 unidades habitacionais em Bertioga, de caráter temporário.

"O Fundo Social e a Defesa Civil já encaminharam à região 321 toneladas de doações arrecadadas. Com relação aos recursos financeiros, foram arrecadados R$ 1,8 milhão para a compra de cestas básicas, cobertores e produtos de higiene e outros R$ 2,5 milhões para eletrodomésticos", diz o governo.

Após moradores alegarem que doações de ONGs não estavam sendo repassadas à comunidade, a Prefeitura de São Sebastião divulgou um comunicado dizendo que não é responsável por ações sociais organizadas de forma independente por entidades do terceiro setor, empresas ou cidadãos.

A prefeitura pediu que colaborações sejam feitas por meio dos fundos sociais de solidariedade do município e do governo estadual.

"A sugestão se dá na tentativa de proteger os doadores de golpes e para garantir que o dinheiro chegue, de fato, às vítimas das enchentes", diz o comunicado. "Não haverá tolerância para qualquer indício de desvio de finalidade e/ou estelionato."

A prefeitura também afirmou ter notificado entidades que receberam doações para que prestem contas, entre as quais o Instituto Verdescola e a ONG Gerando Falcões.

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