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Bruno Filardi

Polêmica das máscaras: ciência constantemente é usada como uma ferramenta para proselitismo

Novo estudo aponta que as máscaras, do jeito que foram usadas, em geral não fizeram muita diferença na pandemia; é preciso entender os conceitos

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Bruno Filardi

É médico oncologista e oncogeneticista. Doutor em medicina pela USP-Ribeirão. Oncologista do Centro Oncológico do Ribeirão Shopping e oncogeneticista do Serviço de Genética do HC da USP de Ribeirão Preto.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) revogou a necessidade do uso de máscaras em aviões e aeroportos. Mas o tema já estava em discussão há algumas semanas devido a uma publicação da Cochrane Library, consagrada instituição que estuda a literatura científica através de adequada metodologia e é capaz de tirar conclusões científicas sobre os mais diversos temas. O efeito do uso de máscaras para diminuir transmissão de doenças respiratórias virais foi último deles.

O estudo em questão concluiu que "o agrupamento dos resultados dos estudos avaliados não mostrou uma clara redução em infecções virais com o uso de máscaras". Imediatamente ouvi gritos de que máscaras não funcionam. Tanto nas discussões superficiais, agressivas e intolerantes do Twitter quanto nos agradáveis grupos de amigos das mídias sociais mais fraternas.

Usuários usando máscaras na estação Santana do Metrô em São Paulo - Rubens Cavallari-2..nov.2022/Folhapress

Ao lermos a conclusão do estudo, encontramos também que "a baixa a moderada certeza da evidência significa que a confiança dos autores no efeito medido pelos estudos é limitada e o verdadeiro efeito pode ser diferente do efeito estimado observado". Confuso? Talvez.

Ciência na sua essência, que é o método científico em si, não é trivial. Para entender a ciência é necessário aceitar as incertezas, interromper com o pensamento categórico e aprender a conviver com ideia de que o método científico é capaz apenas de nos mostrar, na maioria das vezes, uma visão embaçada e artificialmente colorida da realidade.

Quando algum tópico da pandemia ressurge, a ciência volta ao debate público. Vimos isso com vacinas, intervenções farmacológicas e métodos de barreira. O país está dividido em grupos ao redor de duas forças que apontam para lados diametralmente opostos, mas, paradoxalmente, flertam com os mesmos raciocínios mecanicistas e se tornam agressivos quando suas crenças são abaladas por alguma evidência que vai de encontro às suas teorias. O infantilismo de ambas as torcidas organizadas pode parecer engraçado a primeira vista, mas denota uma triste realidade: a ciência constantemente é usada como uma ferramenta para proselitismo político-partidário e, com isso, subvertida e vilipendiada.

A revisão da Cochrane nos permite, além de digressões epistemológicas, entender dois conceitos científicos fundamentais: eficácia e efetividade. Aqui a discussão fica mais interessante. Eficácia de uma máscara é a medida de sua capacidade de proteção em um ambiente controlado e idealmente usada por uma pessoa treinada. Já a efetividade seria sua medida no mundo real, nas condições cotidianas. A publicação da Cochrane dá os devidos pesos aos conceitos de eficácia e efetividade e muito bem aponta as incertezas e limitações inerentes aos estudos avaliados.

Em resumo: apesar da grande plausibilidade e evidência de eficácia de que as máscaras ajudariam a população no controle da pandemia, é possível, a partir dos estudos existentes, dizermos com baixa a moderada certeza que máscaras (do jeito que foram usadas) em geral não fizeram muita diferença na pandemia. Se porque não foram usadas direito ou porque os materiais não eram adequados para barrar partículas virais em dispersão, impossível saber. A partir daí os gestores em saúde pública podem tomar suas condutas. Seja investir em máscaras de melhor eficácia, treinar a população ou então abandonar a estratégia com a justificativa que o esforço seria infrutífero. Todas são condutas defensáveis. Mas, obviamente, com a pandemia controlada e a população vacinada em sua maioria, a discussão fica para um indesejado e, espero, longínquo futuro.

Para uma leitura técnica e mais extensa sobre o estudo e o tema em si sugiro o artigo do meu amigo Leo Costa pelo Instituto Questão de Ciência que pode ser acessado no site da revista.

O Estudo Cochrane pode ser acessado neste site.

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