Revisão do Plano Diretor pode gerar mais vagas de garagem perto do transporte, diz estudo

OUTRO LADO: Prefeitura de SP nega que proposta apresentada à Câmara estimule carros; urbanistas dizem que mudança vai contra princípio do plano

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A cidade de São Paulo poderá ter prédios com mais vagas de garagens no entorno de corredores de ônibus e estações de metrô, de acordo com a análise de especialistas sobre a proposta da prefeitura para a revisão do Plano Diretor, lei que define as diretrizes de ocupação do município. O projeto foi enviado na segunda-feira (20) para a Câmara Municipal, onde poderá ser modificado.

Estudo conduzido pelo professor Adriano Borges Costa, do Laboratório Arq. Futuro de Cidades do Insper, indica que a nova proposta aumentaria em 12% o número de vagas para carros nos EETUs (Eixos de Estruturação da Transformação Urbana), como são chamados os eixos com maior oferta de transporte coletivo.

Trem ao lado de avenida com trânsito carregado
Trânsito de veículos carregado perto da estação Palmeiras-Barra Funda do metrô - Eduardo Knapp - 14.fev.2013/Folhapress

Ao ampliar o espaço para carros nessas áreas, a administração municipal vai na contramão da ideia de desestimular o uso de automóveis na cidade, e especialistas apontam que a medida poderá resultar no aumento da circulação de veículos em vias já estranguladas pelo trânsito. A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) nega que as mudanças tenham a intenção de criar mais vagas e afirma que, pelo contrário, podem diminuir a oferta de garagens —sem detalhar como.

A revisão periódica do Plano Diretor é obrigatória e foi retomada no início deste ano, depois de adiamentos durante a pandemia de Covid-19.

Após cerca de dois meses de audiências públicas, a prefeitura alterou diversos pontos do texto que havia apresentado em janeiro. Entre eles estão os critérios para que um apartamento possa ter vagas de garagens sem pagar outorga onerosa, que é a taxa cobrada do construtor quando a área do prédio supera o tamanho em que se pode construir sem custo adicional.

De acordo com o plano vigente, que é de 2014, o empreendimento localizado em um EETU pode ter uma vaga grátis de garagem para cada apartamento construído. Como essas vagas não ficam vinculadas à unidade habitacional, construtores e incorporadores optaram nos últimos anos por construir prédios que mesclam apartamentos muito pequenos (com menos de 35 metros quadrados), sem direito a vaga de garagem ao proprietário, e outros maiores, que recebiam as vagas gratuitas geradas pelos menores.

Tal condição gerou, segundo a prefeitura, uma explosão de microapês, contrariando um dos objetivos do plano, que é atrair famílias para aumentar a densidade populacional nos eixos onde há mais transporte público.

Por isso, a prefeitura decidiu criar um tamanho mínimo para que um apartamento tenha direito à vaga grátis. Na proposta de janeiro, a isenção da outorga valeria para o apartamento com área a partir 35 metros quadrados. Além disso, oferecia, como alternativa, a isenção para uma vaga a cada 70 metros quadrados de área construída.

Essa regra, porém, já havia sido criticada por especialistas por não avançar no desestímulo ao uso do transporte individual em áreas fartamente abastecidas de ônibus e metrô.

Agora, no novo texto, a prefeitura diminui para 30 metros quadrados o tamanho mínimo do apartamento que tem direito à vaga sem custo, considerando a área computável —sem varanda e área de serviço. E, na regra alternativa, reduz de 70 para 60 metros de área computável construída para qual se pode destinar a vaga sem incidência da outorga.

No cálculo dos pesquisadores do Insper, a nova proposta enfraquece o desestímulo ao uso do automóvel ao ampliar o número potencial de vagas em 12,2% —na versão anterior do texto, a oferta de garagens cresceria 7%.

Para simular o impacto, o estudo considerou o número máximo de garagens que poderiam ter sido criadas com a regra atual entre 2019 e 2021 nos eixos e aplicou os novos regramentos propostos. O número hipotético de vagas sobe de 25.135 por ano, em média, para 28.211 —ou seja, 3.076 vagas a mais poderiam ser anualmente produzidas com a atual proposta.

"A proposta anterior fazia a gente caminhar para o lado, já que o aumento de 7% não era tão expressivo, e acabava apenas complicando mais a regra das vagas de garagens", diz Costa. "Agora, nós estamos caminhando para trás", afirma.

Nabil Bonduki, relator do Plano Diretor de 2014, afirma que, se aprovadas, as mudanças tendem a estrangular ainda mais o trânsito, pois estimulam o uso de veículos individuais. "Quando todos esses empreendimentos estiverem prontos, em alguns lugares teremos filas de carros para entrar e sair de prédios."

Um estudo feito em 2013 na Universidade Nova York concluiu que disponibilidade de estacionamentos na cidade tem grande influência na decisão de comprar ou não um carro. A análise comparou dados de mais de 700 domicílios com a oferta e o tamanho de garagens no entorno. A existência de garagens se mostrou mais relevante do que renda e outros fatores demográficos.

A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, professora da FAU-USP, lembra que durante a elaboração plano em 2014 havia a intenção de proibir a construção de vagas de garagem nos eixos. A ideia acabou flexibilizada para a regra de uma vaga por apartamento durante a tramitação na Câmara Municipal.

"O que a prefeitura está propondo não vai mudar substancialmente a situação atual, que contrariou o objetivo do Plano Diretor", diz. "Essa nova fórmula, segundo a prefeitura, desincentivaria a produção de microapartamentos. Mas, se a prefeitura quer desincentivar essa produção, porque ela simplesmente não proíbe?"

Para a urbanista Camila Maleronka, professora no Insper e pós-doutoranda na UFF (Universidade Federal Fluminense), a mudança na regra para a construção de garagens é resultado de uma discussão de má qualidade sobre o desenvolvimento da cidade, uma vez que o limite foi criado para estimular o uso do transporte público.

Agora, critica Maleronka, a prefeitura pretende regular uma brecha na lei que, na prática, vai garantir que mais de uma vaga de carro seja ofertada para apartamentos maiores.

"Estamos transformando uma discussão importante numa discussão tacanha, porque aquilo que deveria orientar a adaptação da cidade para o futuro está se tornando uma questão de 'liberdade urbanística'", diz.

Procurado pela Folha para comentar as alterações promovidas pela prefeitura, o Secovi-SP (sindicato das construtoras em São Paulo) não se manifestou até a publicação deste texto.

Em janeiro, Ely Wertheim, presidente executivo da entidade, afirmou que há demanda por apartamentos de até 120 metros quadrados com duas vagas de garagem e, por isso, a revisão deveria contemplar essa situação. "Não concordo que a construção desses apartamentos desfavoreça os mais pobres. Apartamento com duas vagas não significa que é para uma classe privilegiada", disse.

Para o vereador de São Paulo Rubinho Nunes (União Brasil), presidente da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente da Câmara Municipal, ainda há excesso de regulação na nova proposta da prefeitura.

A proposta de revisão do Plano Diretor ainda precisará ser votada em dois turnos na Câmara. Antes, passará por audiências públicas.

Existe a expectativa de que o processo esteja concluído ao final deste semestre, segundo Rubinho Nunes.

Prefeitura reforça combate a microapês e diz que não vai ampliar vagas

Em nota da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento, a Prefeitura de São Paulo reafirmou que a revisão do Plano Diretor de 2014 é desestimular o aumento expressivo de microapartamentos nos eixos onde a oferta de transporte público é maior.

A proposta, segundo a prefeitura, pela primeira vez estabelece uma área mínima para que as unidades habitacionais em eixos tenham direito ao benefício de vaga de garagem como área não computável. "É um avanço proposto pela revisão intermediária em relação ao texto do Plano Diretor aprovado em 2014", diz.

"O objetivo da Prefeitura com esse dispositivo é, portanto, desestimular a oferta de unidades de até 30 m² em áreas bem servidas de transporte público por entender que elas não atendem às diretrizes de adensamento populacional nessas regiões e, tampouco, às necessidades de núcleos familiares."

A prefeitura também "entende que, em comparação à realidade atual, a proposta mostra-se mais restritiva e deverá promover uma redução do número de vagas de garagens oferecidas nos empreendimentos a partir desta revisão intermediária", diz a nota, sem detalhar de quanto pode ser essa redução.

Para reforçar a ideia de quer desestimular o uso de carros, a gestão de Ricardo Nunes disse que a nova proposta também cria um incentivo para empreendimentos que não tenham vagas de garagem. Para esses casos, o projeto "prevê um adicional de 10% de área construída não computável para o empreendimento".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.