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Saúde mental infantojuvenil piora no país, mas políticas públicas patinam no enfrentamento

Documento recomenda ampliação de centros de atenção psicossocial a crianças e adolescentes e inclusão do tema nas ações de saúde escolar

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São Paulo

A saúde mental de crianças e adolescentes piorou com a pandemia de Covid-19, os casos de violência escolar também têm aumentado, mas as políticas públicas de enfrentamento estão muito aquém das necessidades desse público, com poucos centros de apoio psicossocial e metade das escolas sem cobertura de saúde escolar.

O alerta é de um documento do Ieps (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) e do Instituto Cactus. O material foi entregue na semana passada a representantes do Executivo e do Legislativo, com a recomendação de dez ações para políticas de saúde mental nas escolas.

O relatório, obtido pela Folha, será publicado em abril.

Na última segunda (27), um adolescente de 13 anos matou a facadas a professora Elisabeth Tenreiro, 71, na escola estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, zona oeste de São Paulo.

Duas mulheres abraçadas em frente à escola e próximas a ponto na calçada onde foram deixadas velas e flores
Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, zona oeste de São Paulo, onde aluno matou professora de ciências Elisabeth Tenreiro, 71 - Bruno Santos/ Folhapress

Entre as propostas feitas pelos institutos ao Executivo estão a ampliação da cobertura do PSE (Programa Saúde na Escola) e da vigilância e monitoramento da saúde mental de crianças e adolescentes. Desde agosto de 2022, o Brasil sofre mais de um ataque a cada mês em escolas.

Instituído pelo governo federal em 2007, o PSE é executado nos municípios por meio de uma parceria entre as secretarias da saúde e da educação, mas hoje só cobre 55% das escolas de educação básica do país, que atendem a 35% de alunos dessa etapa do ensino.

"A gente não precisa reinventar a roda. Existe uma previsão no SUS para essa articulação entre as áreas da saúde e educação. Só precisa avançar", diz Dayana Rosa, especialista de relações institucionais do Ieps.

Além da cobertura, um outro problema apontado pelo documento é que na programação do Ministério da Saúde para as ações de saúde do PNE nas escolas, nos anos de 2023 e 2024, não estão incluídas atividades de prevenção e promoção de saúde mental.

O documento do Ieps aponta que, devido à pandemia, houve uma piora da saúde mental infantojuvenil, com aumento de taxas de suicídio, violência, automutilação, evasão escolar, entre outros

Em 2013, a taxa de prevalência de transtornos mentais nesse público ficava entre 10,8% e 12,7%. Dados do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) mostram que, em 2021, 56% dos adultos reportaram que seus adolescentes apresentaram um ou mais sintomas relacionados à saúde mental. Mais de um quarto (28%) relata mudanças repentinas de humor e instabilidade.

De acordo com o relatório, os casos de violência escolar também têm aumentado. Nos dois primeiros meses do ano letivo de 2022, quando retornavam às aulas presenciais, foram registrados 4.021 casos de agressões físicas nas unidades estaduais de ensino do país, 48,5% a mais em comparação ao mesmo período de 2019, o último de aulas presenciais antes da crise sanitária. A evasão escolar de estudantes com transtornos mentais varia entre 43% e 86%.

"Os especialistas têm alertado para um sofrimento generalizado que o país vivendo, uma epidemia de transtornos mentais. Isso acontece em um contexto de incitação ao ódio e de desvalorização da vida. Esse foi o exemplo que as crianças e os adolescentes tiveram nos últimos anos", diz Rosa.

Desde 2001, com a promulgação da Lei da Reforma Psiquiátrica, o país patina na criação de uma política de saúde mental voltada a crianças e adolescentes.

O número de Caps i (Centros de Atenção Psicossocial lnfantojuvenil), por exemplo, é bem inferior aos centros voltados aos adultos. Em 2012, por exemplo, havia 1.643 Caps de adultos e 172 de infantojuvenis. No ano passado, eram 2.551 contra 258, respectivamente.

A distribuição pelo país também é muito desigual. Em Roraima e no Acre, por exemplo, não há nenhum equipamento. "É uma negligência história, uma falta de compreensão de que crianças e adolescentes são sujeitos psíquicos também, que estão em uma fase de formação de personalidade e de habilidades e que são necessárias intervenções, inclusive na escola, onde eles passam a maior parte do tempo", afirma Rosa.

No âmbito do Legislativo, o documento do Ieps pede a aprovação do projeto de lei que institui a Política Nacional de Atenção Psicossocial nas Comunidades Escolares. Proposto em 2021 pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), o projeto já foi aprovado pelo Senado e está há um ano na Câmara.

Nesta quarta (29), ele foi aprovado pela comissão de educação da Câmara, sob relatoria da deputada Tabata Amaral (PSB-SP). Ainda precisa ser analisado pelas comissões de Seguridade Social e Família, Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Por fim, seguirá para o plenário.

"A proposta dessa política nacional é abranger toda a comunidade escolar, não só o estudante. Ela pensa também nos profissionais de educação que estão na linha de frente, organiza um pouco o cuidado já previsto pelo SUS no PSE e na reforma psiquiátrica", diz a especialista do Ieps.

Outro ponto importante do projeto é a previsão de um monitoramento da saúde mental nas escolas por parte do governo federal, com relatório anuais. "A saúde mental nunca foi prioridade e está dando nisso. Temos que priorizar. Não existe saúde sem saúde mental. Se a gente não for por esse caminho, utilizando as estruturas já existentes, essas tragédias vão continuar acontecendo", afirma Rosa.

As dez recomendações para políticas de saúde mental nas escolas

Ao Poder Executivo

1. Ampliar cobertura do Programa Saúde na Escola (PSE)

2. Incluir ações de prevenção e promoção de saúde mental no PSE no ciclo 2023/2024

3. Realizar estudos de avaliação e monitoramento do PSE e induzir a criação e fomento de linhas de pesquisas sobre saúde mental de crianças e adolescentes

4. Incluir, junto ao IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), perguntas sobre a percepção dos estudantes sobre as políticas públicas de saúde mental na Pesquisa Nacional de Saúde nas Escolas (Pense)

5. Retomar e manter espaços de diálogo e construção de políticas públicas de saúde mental para o público infantojuvenil, garantindo a participação e protagonismo de crianças e adolescentes

6. Ampliar a vigilância e monitoramento da saúde mental de crianças e adolescentes

Ao Poder Legislativo

7. Aprovar o projeto de lei nº 3.383/2146, que institui a Política Nacional de Atenção Psicossocial nas comunidades escolares, incluindo todos os profissionais da educação de forma intersetorial e gerando dados atualizados

8. Fiscalizar o Poder Executivo quanto à implementação de ações de saúde e educação, principalmente no que se refere à cobertura do PSE e dos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (Caps i)

9. Direcionar emendas parlamentares para qualificação em saúde mental infantojuvenil para profissionais da educação básica e atenção primária à saúde

10. Garantir que o Plano Plurianual (PPA) contemple ampliação da cobertura do Programa Saúde na Escola (PSE)

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