Descrição de chapéu Obituário Walter Passos (1956 - 2023)

Mortes: Historiador e teólogo, usou conhecimento contra o racismo

Walter Passos buscou romper com a visão europeia e pesquisou o cristianismo de matriz africana

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Salvador

Teólogo, professor, historiador e pai de quatro filhos, o baiano Walter Passos foi um dos precursores do estudo que entende o cristianismo como religião de matriz africana, trazendo à luz uma história apagada pela escravidão.

Na última fase da vida, sua faceta mais ativa foi a de poeta. Internado, compôs um poema para uma enfermeira negra em seu leito de morte.

"Ele acordava, tomava café, conversava com a gente um pouquinho e sentava para escrever e debater", lembra a filha Dilian. Definido pelos filhos como um homem genial e "imparável", Walter não se encaixava nos limites sociais impostos. Em 2006, fundou o Conselho Nacional de Negros e Negras Cristãos (CNNC). "Nasceu da necessidade que meu pai tinha de demonstrar para as outras pessoas que o cristianismo também era uma religião de matriz africana", explica o filho Ulisses.

Walter Passos (1956 - 2023)
Walter Passos (1956 - 2023) - Arquivo pessoal

Walter manteve o blog do conselho ativo, apesar da dissolução do grupo formal ao longo dos anos. Ao acessar a página, são encontrados relatos, pesquisas e entrevistas. Um deles é sobre o dia em que o historiador baiano hospedou em 2007 o ativista norte-americano Fred Hampton Jr —filho do revolucionário Fred Hampton (1948-1969), vice-presidente do Panteras Negras, partido histórico de luta racial nos Estados Unidos.

Em seus trabalhos e na vida privada, Walter acreditava que, para além do combate ao racismo, o objetivo principal devia ser "africanizar" as relações. "O racismo é um problema do branco e das suas comunidades, e ser preto é muito diferente de ser antirracista", explica Ulisses Passos.

Autor do livro "Bahia: Terra de Quilombos", o historiador mapeou 400 comunidades baianas. A valorização da cultura africana ultrapassou o campo de estudo, determinando a formação de seus filhos.

Seu modo de vida fez dele o oposto do que Dilian Passos classifica como "pai Disney". Era proibido às crianças assistir ao programa da Xuxa, por Walter entender que aquilo fazia parte de uma lógica de embranquecimento. "Um cara do embate, não alisava", contam.

Apesar da firmeza, era aberto a discussões —as frutíferas—, o que o tornava uma referência procurada. "Como ele gostava muito de produzir conhecimento, as pessoas vinham até ele buscar e beber da fonte", diz Dilian.

Certa vez uma fiel lhe relatou ter ouvido de seu líder religioso que "em cada trança morava um demônio". O racismo nas igrejas era um ponto que Walter buscava combater, pois enxergava que a discriminação nunca era questionada nesses ambientes.

Walter Passos morreu aos 66 anos em 8 de abril, deixando a viúva Sueli Soares e os filhos Ulisses, Vanessa, Dilian e Walter Mauro. Todos seguem na militância.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

Veja os anúncios de mortes

Veja os anúncios de missa

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.