A aprovação no vestibular para a Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), em 2001, apontava para o surgimento de um jovem cirurgião. Pelo menos era como Gustavo Magliocca planejava conduzir sua graduação.
Mas as mãos que manipulavam bisturi eram as mesmas que calçavam luvas quando o apaixonado por esportes jogava de goleiro nas peladas de futsal da faculdade. Assim, mudou a especialidade idealizada e no lugar de um cirurgião nasceu uma das principais referências da medicina esportiva do Brasil.
No seu curto tempo de carreira, Magliocca trabalhou em dois Jogos Olímpicos, em Londres (2012) e no Rio de Janeiro (2016), com a equipe médica da CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos).
Entre uma Olimpíada e outra e depois de passar pelo Botafogo (RJ), em 2013 foi contratado pelo Palmeiras com a missão de reformular o trabalho médico das categorias de base, onde ficou até 2017, quando "subiu" para o profissional e entrou para a história multicampeã recente do clube alviverde.
O Doutor das Estrelas, como era chamado pelo lateral Marcos Rocha, não só reformulou como revolucionou a medicina esportiva no clube alviverde —ele foi um dos responsáveis pela implementação do Núcleo de Saúde e Performance, batizado no mês passado com o seu nome.
"Sempre foi um pioneiro", diz Pedro Pontin, também médico do Palmeiras e colega de turma na USP.
As adorações pela medicina e pela família caminharam juntas. A mulher Juliane Mendes Mariano Magliocca, 39, aliás, o conheceu no mesmo ano em que passaram no vestibular —ela foi aprovada em comércio exterior.
A rotina atribulada com o cuidado de atletas de alto rendimento, viagens e raros fins de semana de folga não impedia os tradicionais hambúrgueres em família às sextas-feiras.
Nem de usar o telefone para salvar uma vida. Foi isso que aconteceu em julho de 2017. Magliocca estava na concentração do Palmeiras em Guayaquil, no Equador, para um jogo pela Copa Libertadores, quando o meia venezuelano Guerra o procurou com a mulher aos prantos no celular.
Assael, filho do jogador palmeirense, na época com 3 anos, havia caído em uma piscina e "apagado". Do Equador, o médico acalmou a mulher em São Paulo e a orientou sobre o que fazer até a chegada dos bombeiros. O menino sobreviveu.
"Ele tratava todos da mesma maneira, mesmo que fosse uma dor de ouvido", diz Juliane
Em 2020, aos 39 anos, Magliocca estava com os filhos Paolla e Lucca —atualmente com 8 e 6 anos, respectivamente— quando reclamou de uma sensação estranha para a mulher. Três dias depois, passava por uma cirurgia por causa da descoberta de um tumor no cérebro.
O câncer do jovem doutor comoveu o futebol brasileiro, mas só o afastou do trabalho em outubro do ano passado, quando precisou ser internado.
Na véspera de Natal, voltou para casa. Os momentos que se seguiram tiveram, entre uma homenagem e outra, a visita do técnico Abel Ferreira, que entoou um "parabéns a você" com sotaque português no aniversário do coordenador médico do clube, em 9 de fevereiro.
Em 9 de abril, Magliocca cantou com a torcida em um camarote Allianz Parque na final do Paulistão —era sua última vez na arena.
Nove dias depois, a mãe ergueu Paolla no colo para a menina colar uma placa que eternizaria o nome do pai na porta do Núcleo de Saúde e Performance do Palmeiras.
Gustavo Damásio Magliocca morreu em 3 de maio, aos 42 anos. "No fundo ele sabia que o que iria acontecer, que ficaria pouco tempo na terra e precisaria correr para conquistar o que queria", diz a mulher.
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