Prefeitura de SP regulariza terreno a toque de caixa após área ser selecionada em projeto

Situação levou a pedido de demissão de João Farias, ex-secretário de Habitação, que criticou a lisura do processo

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São Paulo

A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) acelerou a regularização fundiária de um terreno ocupado há mais de 30 anos no bairro de Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo, após a área ter sido selecionada para integrar um programa de habitação popular. A medida, que pode beneficiar duas empresas que irão receber verba municipal para a construção de moradias no local, levou o secretário de Habitação, João Farias, a pedir demissão do cargo na última sexta (26).

O terreno foi habilitado pela prefeitura a participar do programa habitacional Pode Entrar com a oferta de 5.748 moradias populares a serem erguidas por R$ 192,4 mil cada uma. O orçamento total da construtora Sousa Araújo, que vai realizar as obras, é de R$ 1,1 bilhão. A empresa Usu Campeão Incorporação, Loteamento e Urbanização Social Ltda. intermediou a venda do terreno com os donos do terreno mediante a consolidação do empreendimento social.

Para dar prosseguimento ao processo licitatório, e de fato receber os repasses municipais para dar início à construção do empreendimento, a empresa precisa regularizar o terreno ocupado, o que tem sido feito a toque de caixa, mediante intervenção da prefeitura via Secretaria de Governo e Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo), sem passar pela Secretaria de Habitação.

Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo, está entre os bairros com empreendimentos selecionados em programa de moradia da prefeitura
Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo, está entre os bairros com empreendimentos selecionados em programa de moradia da prefeitura - Lalo de Almeida - 10.nov.22/Folhapress

O ex-secretário João Farias vinha criticando a intervenção direta do secretário de Governo, Edson Aparecido, e do presidente da Cohab, João Cury, na regularização do terreno, o que, segundo ele, fere a lisura do processo. Procurado, o ex-secretário Farias confirmou divergências com Aparecido e Cury.

A coluna Painel apurou que, em forte discussão sobre o assunto, Farias e Cury chegaram a se exaltar. Segundo alguns relatos, houve xingamentos e gritos, e os dois precisaram ser contidos. Outros dizem que se tratou de um bate-boca. Em nota, Cury disse que não houve "nenhuma discussão com o secretário João Farias, muito menos com xingamentos até chegar às vias de fato".

O terreno de cerca de 91 mil metros quadrados é divido em duas partes: há imóveis consolidados e construídos ao longo da rua Rio Bahia há mais de 30 anos, e uma área de matagal que estava vazia e que por volta de 2010 passou a receber barracos improvisados. Tramitam na Justiça dois mandados de reintegração de posse para a área ocupada com barracos.

Segundo documentos aos quais a Folha teve acesso, representantes das famílias donas do terreno enviaram no dia 27 de março ofício ao secretário de Governo, Edson Aparecido, e ao presidente da Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo), João Cury, pedindo a desapropriação do terreno em caráter de urgência para decretá-lo como utilidade pública.

Cerca de um mês depois, em 10 de maio, Aparecido elaborou um ofício "em caráter de prioridade e urgência" para que o decreto de Interesse Social fosse submetido à assinatura do prefeito. O decreto está pronto, mas ainda não foi publicado no Diário Oficial.

O ofício urgente foi elaborado na mesma semana em que encerrou o prazo para a construtora Sousa Araújo apresentar a documentação completa do terreno para o programa Pode Entrar.

O projeto de regulação fundiária do terreno foi iniciado por Farias em março do ano passado. O trâmite não foi concluído porque faltou ser assinado pelo prefeito. O processo administrativo, então, só foi retomado no fim de abril deste ano após a empresa dona do terreno ter sido escolhida para ser uma das fornecedoras do programa Pode Entrar.

Em nota, a Secretaria de Habitação afirmou que parte do terreno onde há habitações consolidadas foi oferecida pela construtora como doação sem custos à prefeitura. A oferta está em estudo, segundo a pasta, e, caso aceita, será realizada regulação fundiária do terreno, o que inclui a formalização dos imóveis e a construção de uma rua que irá permitir a ligação da rua Rio Bahia com a estrada da Vaquejada. "Desse modo, não ocorreria a desapropriação total e a empresa poderia construir no espaço", disse a secretaria.

Advogado de parte das famílias donas do terreno afirma, em nota, que os sócios decidiram doar sem qualquer ônus mais de 31 mil metros quadrados para a prefeitura. Unir o público e o privado na regulação da área "é a melhor oportunidade para que a Prefeitura de São Paulo solucione essa questão de moradia naquela região", segundo a empresa. "Caso contrário, teremos mais uma ocupação com moradias precárias e irregulares."

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