Prefeitura de SP negocia pagar R$ 186 mi a mais para construtora por casas populares

OUTRO LADO: Gestão Nunes afirma que mudou critério para permitir empreendimentos de mais regiões e que valor máximo por imóvel não foi alterado

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São Paulo

A gestão do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), irá gastar 16% a mais do que o governo do estado para comprar unidades habitacionais iguais que estão sendo construídas no bairro do Butantã, na zona oeste da capital paulista.

Enquanto a mesma construtora ofereceu 1.970 unidades do condomínio Reserva Raposo à CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, entidade estadual) por R$ 180 mil cada (R$ 190 mil em valores atualizados) em janeiro do ano passado, a Prefeitura de São Paulo negocia pagar R$ 210 mil por cada um dos 6.220 imóveis de 39 metros quadrados no mesmo conjunto.

Isso poderá causar um gasto adicional aos cofres municipais de R$ 186 milhões. A negociação ainda está em fase inicial.

Conjunto habitacional Reserva Raposo, no Butantã, está entre as propostas para integrar programa de moradia da prefeitura
Conjunto habitacional Reserva Raposo, no Butantã, está entre as propostas para integrar programa de moradia da prefeitura - Ronny Santos/Folhapress

Enquanto a prefeitura definiu o valor com base em uma média calculada do metro quadrado praticado pelo mercado, o governo estadual obedece ao teto de financiamento de R$ 180 mil delimitado pelo Fundo Paulista de Habitação de Interesse Social (FPHIS).

O Tribunal de Contas do Município (TCM) abriu um processo para apurar esta diferença —e, enquanto investiga o caso, proibiu a prefeitura de fazer qualquer pagamento aos empreendimentos.

O condomínio Reserva Raposo é uma das 56 propostas entregues no fim de janeiro pelas empresas interessadas em conceder imóveis ao recém-lançado programa de moradia popular do município, o Pode Entrar.

Cinco dias antes da abertura dos envelopes do edital do programa, a gestão Nunes mudou as regras e elevou o preço de referência das unidades.

O TCM tinha apontado que o preço de referência de cada unidade deve ser o mesmo praticado pelo mercado imobiliário no mesmo distrito de São Paulo. Já a gestão Nunes ampliou a referência e adotou como referência a média do preço calculado por todos os distritos integrantes da mesma subprefeitura.

No caso do Reserva Raposo, por exemplo, o preço mínimo de referência do metro quadrado era de R$ 4.386 antes da retificação do edital, em janeiro deste ano. Com a mudança, passou a ser de R$ 5.397, calculado com base na mediana dos distritos da subprefeitura do Butantã —entre eles, bairros mais valorizados como Morumbi e Vila Sônia.

Em nota à reportagem, a prefeitura disse que a mudança do edital não alterou o valor máximo que pode ser pago por cada unidade, de R$ 210 mil. Também afirmou que isso facilitou a entrada de empreendimentos de mais regiões no Pode Entrar.

"Sem essa alteração, empreendimentos em regiões das zonas leste e sul teriam preço máximo de R$ 80 mil, enquanto o valor de mercado é de aproximadamente R$ 190 mil", afirma nota.

"Além de não alterar o valor máximo a ser pago pela gestão, o teto do Pode Entrar está abaixo do valor máximo praticado pelo governo federal, de R$ 264 mil", diz a prefeitura. "Todas as propostas recebidas estão em análise, sem qualquer resultado até o momento. Portanto, não houve qualquer benefício à empresa citada ou a qualquer outra."

A prefeitura também diz que é incabível comparar o modelo municipal e o estadual, e que a Secretaria de Habitação prestou todos os esclarecimentos ao TCM.

O Reserva Raposo é um mega-condomínio com área de 450 mil m² e 106 prédios voltados à população de baixa renda. Ele começou a ser construído em 2018 às margens da rodovia Raposo Tavares, na divisa de São Paulo com Osasco.

O bairro planejado teve as obras paralisadas no mesmo ano após a Justiça ter anulado a licença ambiental do empreendimento. Na ocasião, foi acatado o argumento do então vereador Gilberto Natalini (PV) de que a Prefeitura de São Paulo não tinha competência para conceder a licença ambiental sozinha, já que parte do terreno fica em Osasco.

Diante da situação, a construtora Rezek Empreendimentos Ltda., principal responsável pelo conjunto habitacional, paralisou as obras e, menos de um ano depois, a Justiça derrubou a liminar e as obras puderam ser retomadas.

Atualmente, há nove torres erguidas com unidades de dois dormitórios e comercializadas a R$ 280.000, em média. O projeto original previa 124 torres.

No caso da gestão municipal, a secretaria de Habitação ainda vai decidir se as unidades a serem erguidas no Reserva Raposo farão parte do Pode Entrar. Caso a decisão seja favorável e o conjunto entre no programa de habitação, caberá à Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo) executar a concessão das unidades aos beneficiários e o pagamento às construtoras.

O atual presidente da entidade é João Cury Neto, que assumiu o cargo em janeiro, depois que não conseguiu se eleger como deputado federal pelo MDB.

De acordo com a prestação de contas de campanha, Cury Neto recebeu uma doação de R$ 600 mil de José Ricardo Rezek, um dos sócios da construtora responsável pelo Reserva Raposo.

Em nota, a prefeitura disse que Cury Neto decidiu, por questões éticas, declinar de qualquer projeto que envolva a empresa de Rezek no programa Pode Entrar. E também ressalta que o presidente da Cohab não participou da elaboração do edital do programa e nem mesmo da decisão que mudou o preço.

"Cabe informar que a doação para sua campanha foi realizada por pessoa física, e devidamente declarada conforme exige a legislação eleitoral. Por fim, informamos que o presidente, João Cury, ainda que possa legalmente participar das assinaturas dos contratos do Programa Pode Entrar, por questões éticas, decidiu declinar de qualquer ato que envolva a referida empresa, no âmbito do Programa", diz a nota.

A Folha procurou Rezek para responder aos questionamentos em duas ocasiões através de dois endereços de email diferentes, o corporativo e o pessoal. A primeira mensagem foi enviada na noite de terça-feira (7) e a segunda, na manhã de quarta (8). Não houve retorno.

Houve tentativas também para falar com Cury via mensagem de celular na tarde de quarta. Ele não respondeu.

A reportagem também não conseguiu contato com a administração do Reserva Raposo, que não atendeu aos telefonemas e não respondeu aos emails enviados na segunda e terça.

Para se tornar apto a participar do programa Pode Entrar, o Reserva Raposo teve o processo de licenciamento aprovado em cerca de três meses.


Como funciona

PODE ENTRAR (MUNICIPAL)

Como funciona A prefeitura paga um sinal de 15% do valor do imóvel e os 85% restantes são pagos em parcelas de acordo com a comprovação da evolução das obras e corrigidas pela inflação. Os beneficiários parcelam o imóvel com comprometimento de até 15% da renda e o restante é subsidiado pelo município

Quem pode participar Há dois grupos: famílias com renda bruta de até 3 salários mínimos e de até 6 salários mínimos. Esse último é elegível para obter o subsídio por meio de carta de crédito. É preciso estar cadastrado na Cohab.

CDHU (ESTADUAL)

Como funciona As construtoras recebem do estado um sinal para arcar com custos de compra de terreno e instalação do canteiro e as demais parcelas são pagas conforme evolução das obras. Os imóveis têm que obedecer o valor máximo de crédito concedido pelo Fundo Paulista de Habitação de Interesse Social, de até R$ 180 mil. Os beneficiários obtêm o imóvel por meio da modalidade carta de crédito associativo, na qual recebem subsídio de acordo com a renda, de até R$ 40 mil, e parcelam o restante sem juros.

Quem pode participar Famílias com renda de até R$ 6.500 e que não tenham outra propriedade em território nacional. A família deve morar, pelo menos, nos últimos cinco anos no município do imóvel, ou o chefe da família deve trabalhar no município nos últimos 5 anos, no mínimo.

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