Homem negro é amarrado pelos pés e mãos e carregado por policiais em São Paulo

Polícia Militar afirmou que caso será investigado e afastou envolvidos; homem preso é acusado de furtar duas caixas de bombons de um mercado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A Ouvidoria das polícias de São Paulo exige uma investigação rigorosa sobre os métodos usados por policiais militares para prender um homem acusado de furtar duas caixas de bombons no domingo (4).

O homem de 32 anos, negro, teve as mãos e os pés amarrados após ser detido acusado de roubar produtos em um supermercado na Vila Mariana, zona sul da capital.

Em vídeo que circula nas redes sociais, ele aparece sendo arrastado e carregado pelos policiais, colocado em uma maca e depois na parte de trás de uma viatura.

As cenas foram registradas em uma UPA (unidade de pronto-atendimento) da Vila Mariana. Enquanto é carregado, o homem grita de dor e afirma que está colaborando com a polícia.

Segundo o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), o suspeito passou por audiência de custódia na segunda (5) e teve a prisão em flagrante convertida para preventiva —ou seja, sem prazo definido.

Segundo o ouvidor Claudinho Silva, serão solicitadas as imagens de monitoramento da UPA e uma apuração rigorosa por parte da Corregedoria.

"A gente não pode naturalizar esse tipo de tratamento", disse. "Aquilo é tortura, não é abordagem policial". Para ele, existiam outras condições para render o homem, pois o número de policiais era grande e, no limite, o acusado poderia ter sido algemado pelas pernas.

O ouvidor afirmou que a forma como o homem foi carregado lembra a de um "pau de arara". A expressão é usada para descrever um instrumento de tortura utilizado contra as pessoas que eram consideradas inimigas da ditadura militar brasileira (1964-1985).

"Aquele formato de carregamento, quando você vai fazer alguma analogia na história, é com o pau de arara", disse.

Junto com o ativista Paulo Escobar, o padre Júlio Lancellotti, conhecido pelas ações sociais que realiza com os moradores de rua, publicou o vídeo em suas redes sociais e questionou o comportamento dos policiais.

"A pobrefobia institucional. A escravidão foi abolida?", perguntou.

A imagem mostra policiais militares carregando um homem
Policiais militares carregam homem amarrado pelos pés e mãos após prisão - Reprodução

O CASO

Um mercado foi furtado, na avenida Conselheiro Rodrigues Alves, na Vila Mariana, na noite de domingo, segundo a SSP (Secretaria de Segurança Pública). Dois suspeitos, de 32 e 38 anos, foram presos em flagrante e um menor de 15 anos foi apreendido.

Conforme versão dos PMs registrada em boletim de ocorrência, eles estavam em patrulhamento quando foram acionados. No local foram informados que os suspeitos entraram e realizaram um arrastão, levando diversos produtos.

Na rua Morgado de Mateus, os policiais encontraram um homem de 32 anos com duas caixas de bombons, cada uma delas no valor de R$ 15. Ainda segundo os PMs, o homem confessou o furto no mercado. Os policiais então deram ordem para que o suspeito se sentasse, mas foram ignorados. Os agentes disseram ainda que o homem estava bastante alterado e que foi necessário pedir reforço, totalizando quatro pessoas para segurá-lo.

Os policiais relatam que o suspeito ofereceu resistência mesmo algemado e que, por isso, foi necessário usar uma corda para amarrar seus pés.

Ainda de acordo com o BO, os policiais disseram que o homem ameaçou se levantar e correr. O suspeito teria dito que pegaria a arma dos PMs e atiraria contra eles, como ocorreu na zona leste —uma referência ao caso registrado na semana passada em São Mateus, em que um homem lutou contra dois PMs, tomou a arma de um deles e conseguiu ferir os dois agentes, que seguem sob cuidados médicos.

O suspeito foi levado para uma UPA, onde um cidadão filmou enquanto ele era carregado pelos PMs. Segundo a SSP, a pessoa que filmou a atuação dos militares foi "convidada" a comparecer à delegacia para apresentar o vídeo e testemunhar sobre a ação.

Uma outra equipe que fazia diligências localizou os outros suspeitos. Ainda segundo a SSP, durante a abordagem houve resistência do menor, que lesionou a mão de um policial.

Os homens foram presos em flagrante. Na delegacia, o trio se manteve em silêncio. O menor, que já havia sido apreendido por furto recentemente, segundo a secretaria, disse não ter representantes e foi encaminhado à Fundação Casa. Foi pedido exame de corpo de delito aos policiais militares.

O caso foi registrado como resistência, corrupção de menores, furto e ameaça no 27º DP, no Campo Belo, na zona sul.

Um funcionário do supermercado disse que o suspeito amarrado já era conhecido por realizar furtos no local. Ele contou que, assim que o viu colocando produtos em uma cesta, acionou um botão de pânico. Outros dois rapazes entraram e começaram a pegar diversos produtos da prateleira, e o funcionário então abandonou a loja e ficou do lado de fora, ainda segundo seu relato à polícia. Por fim, disse que viu quando os três deixaram o mercado levando os produtos.

Os produtos levados durante o arrastão foram listados no BO: 19 latas de energético, cerca de 20 latas de bebidas alcoólicas, garrafas de pinga, dois pacotes de macarrão e dois molhos de tomate, totalizando R$ 503.

Em nota, a Polícia Militar lamentou o episódio e afirmou que a conduta dos policiais não é compatível com o treinamento e valores da instituição. Foi instaurado um inquérito para apurar o ocorrido e seis policiais foram afastados preventivamente das atividades operacionais.

A Prefeitura de São Paulo afirmou que, ao tomar conhecimento da ocorrência, solicitou às autoridades competentes a completa investigação dos fatos nos termos da legislação em vigor.

A deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) descreveu a cena como uma barbárie e questionou o fato de o episódio ter acontecido na maior cidade da América Latina e sob a vista de várias pessoas. "Uma abordagem policial desumana contra uma pessoa em situação de rua, uma violação grave aos direitos humanos", afirmou.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.