Mural

Os bastidores do jornalismo nas periferias de SP

A educação por trás dos muros da Fundação Casa

A necessidade de ouvir jovens e o processo de educação dentro da instituição

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Ira Romão
São Paulo | Agência Mural

Curiosidade, dever social e o desejo de colocar em foco esse tema me fez entrar, há cerca de um mês, em uma das 177 unidades paulistas da Fundação Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente) para conversar com três jovens que estão cumprindo medidas socioeducativas com privação de liberdade.

Meu primeiro contato com a Fundação Casa se deu por conta de outra reportagem que estava produzindo para o Dia da Escola, celebrado em 15 de março. Na ocasião, meu objetivo era ouvir estudantes do terceiro ano do ensino médio, inseridos em diferentes modelos, para saber como eles avaliavam a passagem pela educação básica. Uma espécie de balanço pessoal.

Com pouco prazo, não consegui agendar a tempo uma visita à Fundação Casa e não consegui incluir um jovem naquela história. Porém, fiquei curiosa para entender o sistema educacional da instituição, que para mim era uma incógnita.

Para minha surpresa, a minha visita foi agendada para a unidade de Pirituba, centro que costumo avistar da janela do trem, da linha 7 -Rubi da CPTM, que dá acesso ao meu bairro, Perus, no noroeste da cidade.

Parece com a bandeira do Brasil com a inscrição "Esperança". Ao lado, uma porta aberta e um jovem vestindo camisa branca de costas
Fundação Casa de Pirituba, na zona norte de São Paulo - Ira Romão/Agência Mural

O encontro

Foi em uma tarde nublada, no último dia de março, que tive a oportunidade de encontrar com os jovens que toparam participar desta reportagem e também no Próxima Parada, podcast produzido em parceria com o Spotify.

Lembro que ao atravessar os corredores que dão acesso à parte interna da unidade e chegar a uma espécie de pátio, onde já é possível ver os dois prédios do centro, a primeira coisa que busquei com o olhar foi a linha de trem. O som do trem passando, além de alto, é inconfundível.

Com o Bruno* conversei na biblioteca do centro. Já com o Michael* e com o Victor Lorenzo* a entrevista foi na sala de informática. Porém, em todos os momentos estivemos acompanhados pelo coordenador pedagógico da unidade e, também, pela assistente de direção da assessoria de comunicação da fundação.

Conforme o diálogo avançava, eu me convencia da importância de levar para fora daqueles muros aquela realidade que nem todos conheciam. Inclusive eu. "Para uma pessoa que não lia nem 20 páginas, já li livros de 100. Tinha dificuldades de escrever também e hoje já consigo", comentou Michel.

"O que melhorei aqui dentro, quero melhorar mais, quero alcançar mais coisas. Não quero só terminar o ensino médio, quero concluir cursos e fazer uma faculdade", disse Bruno.

Jovem lendo texto em uma das aulas em escola que atende Fundação Casa
Jovem lendo texto em uma das aulas em escola que atende Fundação Casa - Ira Romão/Agência Mural

Mais sobre imagens

Além de entrevistar os jovens, tive a oportunidade de fotografar para esta reportagem. Confesso que foi a parte mais difícil para mim. Fiquei desconfortável em registrá-los, mesmo sabendo que eu não iria, e nem poderia, identificá-los.

Foi uma sensação estranha, que me deixou um pouco travada, pois não queria que eles se sentissem ainda mais vulneráveis do que a própria condição. E assim, fiz o trabalho com cautela e muito respeito.

Um dos meus parceiros de fotografia na Mural, o Léu Britto, o "brabo" da foto, me mandou uma mensagem: "Vim te parabenizar pelo registro que você fez na Fundação Casa. Um olhar bem sensível, com composições que valorizam a galera. Você conseguiu humanizar. Parabéns pela sensibilidade".

Esse retorno, além de me emocionar, me fez acreditar que eu estava seguindo o caminho certo para o texto também. Foi uma tarefa difícil. Decidir o que entraria e o que não, foi algo que me tirou o sono durante algumas noites. Porque eu tinha em mãos dados e informações sobre um sistema que precisa ser mais contado, mas tinha também parte da história daqueles jovens e que confiaram a mim seus relatos. Queria também mostrar o peso que o acesso ao direito à educação tem neste caso.

Foi assim que vi minhas emaranhadas anotações, feitas durante a entrevista, e as fotos, estruturarem a reportagem, que resolvi abrir com o número exato de jovens internos, com o objetivo de reforçar o fato de que esses jovens não são apenas números. Cada um deles conta.

*Os internos com quem tive a oportunidade de conversar têm entre 16 e 19 anos e são apresentados na reportagem com os nomes fictícios Bruno, Michael e Victor Lorenzo, sugeridos pelos próprios jovens para facilitar a eles a autoidentificação na reportagem.

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