Proibição do uso de drogas e repressão geram custo anual de R$ 50 bi, diz Ipea

Estudo também aponta redução de expectativa de vida ao nascer em 4,2 meses no país

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Belém

O Brasil perde, no mínimo, R$ 50 bilhões por ano em decorrência da proibição do uso de drogas e repressão ao tráfico. Além disso, cada brasileiro tem uma redução de 4,2 meses na sua expectativa de vida ao nascer por causa dos efeitos da principal política de segurança pública do país.

A soma de todo o tempo de vida perdido devido a homicídios relacionados a drogas chega a 1,14 milhão de anos. Os dados, referentes a 2017, fazem parte de um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), apresentado na tarde desta quinta-feira (22) no Fórum de Segurança Pública.

A publicação preliminar trata dos efeitos da guerra às drogas nas vidas e nos recursos brasileiros. A ideia é contar os prejuízos assim como se faz com o impacto dos acidentes de trânsito no sistema de saúde, por exemplo.

pessoas exibem cartazes de protesto pedindo paz. em primeiro plano, desfocado, um policial de costas
Grupo de mototaxistas protesta contra operação policial no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli - 24.mai.23/Folhapress

Pesquisador do Ipea responsável pelo estudo e conselheiro do Fórum, Daniel Cerqueira afirma que a guerra às drogas não reduz a criminalidade, desequilibra famílias e comunidades e faz com que se deixe de gastar em políticas mais eficientes.

"É como se cada brasileiro pagasse um imposto de R$ 269 por ano da guerra às drogas. É irracionalidade do ponto de vista humano e econômico", afirma Cerqueira.

Para ele, a violência está ligada justamente à proibição. "É o que chamamos de fatores sistêmicos: se a droga fosse legalizada, esses efeitos teriam dimensão muito menor."

A pesquisa calculou as mortes violentas intencionais associados a drogas em 2017 com base em estudos do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, que observaram boletins de ocorrência, e em dados da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo.

Na região metropolitana do Rio de Janeiro, 46,6% das mortes intencionais são relacionados a questões de drogas. No estado de São Paulo, o índice chega a 27,7%.

Considerando o total de homicídios atribuídos à questão das drogas, no país a perda de expectativa ao nascer foi estimada em 4,2 meses. Quando observado só o Rio de Janeiro, a redução é ainda maior: 7,4 meses.

O estudo ressalta que esses números podem ser ainda maiores, se feito o recorte por gênero, uma vez que a maioria das vítimas no país é do sexo masculino.

Já a estimativa de valores perdidos, segundo o pesquisador, se baseia em estudos anteriores e abrange, por exemplo, a renda esperada e consumo que a pessoa teria ao longo da vida se não fosse morta.

O efeito —e a conta— se estende ainda a quem perde bem-estar por repensar suas decisões de consumo por causa do risco de morte prematura.

A curva também leva em consideração o maior risco de morte entre 15 e 40 anos, faixa etária que concentra os homicídios relacionados a drogas no país, e a variação média de renda esperada para cada pessoa ao longo da vida.

São esses aspectos que chegam a uma conta de cerca de R$ 50 bilhões perdidos por causa do proibicionismo.

Defensor das políticas de redução de danos, Cerqueira afirma que as drogas geram problemas para os usuários e suas famílias, mas que o caminho de tratamento é pela saúde.

"Se compararmos os efeitos, é muito mais gente que morre pelo proibicionismo do que pela droga em si", afirmou.

Para Dudu Ribeiro, diretor-executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, o centro da discussão é o componente racial. Segundo ele, as políticas de drogas estão mais ligadas a controle e poder sobre minorias, como a população negra, do que a uma relação de custo e benefício real para a sociedade.

"Quando olhamos a guerra às drogas a partir da ciência, enxergamos o quanto é irracional. É uma pirâmide de certezas que não são verificáveis cientificamente", afirmou.

Para ele, é preciso refinar a linguagem para comunicar achados como o do estudo. "Nossos termos são racializados. Quando falamos traficante, temos a imagem do jovem, menino, negro, sem camisa e portando um fuzil."

O repórter viajou a convite do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

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