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Um líder evangélico pode ser chamado de apóstolo, como o criador da Marcha para Jesus?

Não há consenso, entre cristãos, se título da época de Cristo vale para os dias atuais

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São Paulo

Pode um líder religioso usar o título de apóstolo?

A questão costuma vir à tona nesta época do ano, quando o apóstolo Estevam Hernandes fica em evidência por causa da Marcha para Jesus, que criou 30 anos atrás. "Sem noção" e "prepotente" são algumas das expressões despejadas sobre ele, acusado de se apropriar de um posto que só caberia a discípulos diretos de Jesus Cristo.

Não é só Hernandes. Pululam apóstolos no Brasil, como Valdemiro Santiago (Mundial do Poder de Deus), Rina (Bola de Neve) e Renê Terra Nova (Ministério Internacional da Restauração).

Não existe detenção de direitos autorais nesse departamento —algo como um órgão que diga o que pode ou não pode–, já que denominações evangélicas não possuem uma hierarquia rígida como a da Igreja Católica e são mais livres para formar suas regras.

O apóstolo Estevam Hernandes ao lado da esposa, bispa Sonia Hernandes, na Marcha para Jesus - Eduardo Knapp/Folhapress

Hernandes aponta preconceito quando escuta que teria se autointitulado apóstolo. Afirma que sua igreja, a Renascer em Cristo, o ungiu para o cargo, assim como cardeais subordinados à Santa Sé escolhem o papa —que seria o apóstolo dos católicos apostólicos romanos.

"Lá atrás a gente achava que era desinformação. Hoje podemos classificar como preconceito. Muitas vezes [o título] é colocado entre aspas, ganha um sentido pejorativo."

Acontecia algo similar num passado recente, quando era comum jornais aplicarem aspas ao citar bispos de igrejas neopentecostais, tachadas de seita. A mensagem passada: bispo legítimo, aos olhos de um país ainda católico em peso, só os ordenados pelo Vaticano. Não aceite imitações.

Hernandes defende que seu apostolado tem lastro bíblico. Evoca Efésios 4:11: Deus instituiu apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres.

Dentro da sua fé, pastores são aqueles que cuidam dos fiéis, enquanto bispos atuam como uma espécie de pastor dos pastores, diz. "Já o apóstolo é a autoridade eclesiástica que tem a visão da igreja."

A polêmica maior, reconhece, está na ideia, popular no segmento, de que apóstolo de verdade só quem conviveu com Jesus.

O que diz a Bíblia: Cristo selecionou 12 homens, de pescador a coletor de impostos, e os designou como apóstolos "para que estivessem com ele, os enviasse a pregar e tivessem autoridade para expulsar demônios".

O Novo Testamento apresenta mais dois apóstolos: Matias, que substituiu o traidor Judas Iscariotes, e Paulo.

Quando Jesus foi crucificado, Paulo não o conhecia. E o jovem judeu não gostava dos discípulos pioneiros daquele que chamavam de filho de Deus. Aí ouviu uma voz: "Por que me persegues?". Viu Cristo diante de si, como narra o livro Atos dos Apóstolos.

Hernandes pega o exemplo para argumentar que Paulo não coexistiu com Jesus. "Ele já havia morrido e ressuscitado." Abriu um precedente.

Mas o apostolado moderno está longe de ser consenso entre evangélicos. Em "Apóstolos: A Verdade Bíblica sobre o Apostolado" (2016), o reverendo presbiteriano Augustus Nicodemus Lopes se propõe a responder se as Escrituras justificam a nomenclatura nos tempos atuais.

Conclui que não, não é possível. Até porque há requisitos para tanto, como ser testemunha ocular do Senhor ressurreto. Será que Jesus aparece para alguém hoje?, indaga o pastor Yago Martins em seu canal Dois Dedos de Teologia. "Pouco provável."

Outra premissa listada por Nicodemus: o poder de realizar milagres grandiosos. A Bíblia fala em "prodígios feitos entre o povo pelas mãos dos apóstolos". Os primeiros cristãos colocavam enfermos na rota de Pedro, para que a sombra dele os cobrisse. Sugere-se que saíam dali saudáveis.

Não era como os fiéis supostamente curados em cultos televisionados, sem prova inconteste do dom milagreiro.

Os apóstolos originais tinham, ainda, autoridade para estabelecer as doutrinas do cristianismo. Seria "completamente absurdo" pressupor que um líder do século 21 poderia atualizar a Bíblia, diz Martins.

Hernandes prefere falar em "autonomia espiritual" para a igreja deliberar se chama seu líder de apóstolo.

Essa perspectiva tem pontos de convergência com movimentos cristãos que veem paulatino declínio na igreja após seus primeiros anos. A Reforma Protestante seria uma retomada da rota certa. E o ministério apostólico não teria terminado com a morte dos titulares —a bola da salvação ainda rola no campo.

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