Falta de fiscalização enfraquece Cidade Limpa, e publicidade ganha espaço nas ruas de SP

OUTRO LADO: Prefeitura atribui queda em autuações a maior foco no controle da pandemia e à criação de notificação prévia; fachadas inteiras são usadas para anúncios

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São Paulo

De grandes painéis de LED a cavaletes em calçadas, infrações à Lei Cidade Limpa até hoje são facilmente encontradas nas ruas de São Paulo. Criada em 2007 para combater a poluição visual, a norma limitou a veiculação de propaganda na paisagem urbana da capital. Os outdoors, antes comuns, desapareceram, mas outras formas de publicidade ostensiva ganharam espaço na cidade, driblando a lei.

Em corredores movimentados, como as avenidas Washington Luís e Juscelino Kubitschek, na zona sul, vários comércios transformaram seus pavimentos superiores inteiros em vitrines para a exibição de propaganda em grandes telões. Em alguns casos, imóveis desocupados alugam o espaço publicitário para outras marcas anunciarem. Ambas as situações são proibidas pela lei municipal e deveriam ser fiscalizadas pela prefeitura.

"Uma loja só pode anunciar produtos e serviços vendidos no local. A venda do espaço publicitário é totalmente irregular", explica a arquiteta Regina Monteiro, idealizadora da Cidade Limpa e hoje presidente da CPPU (Comissão de Proteção à Paisagem Urbana), órgão municipal que em 2018 estabeleceu regras para o uso de painéis de LED para publicidade. A comissão confirmou que todas as situações indicadas na reportagem estão irregulares.

Telão posicionado no primeiro andar de imóvel sem uso exibe propagandas do consórcio digital Mycon na avenida Juscelino Kubischek, na zona sul de São Paulo; painel de LED excede dimensões permitidas por lei e pode ser facilmente avistado do outro lado da rua - Zanone Fraissat/Folhapress

Apesar da proibição, diferentes marcas anunciavam em grandes telões na avenida Juscelino Kubitschek nas últimas semanas. No primeiro andar de uma antiga loja de baterias, um painel exibia propagandas de uma floricultura, de uma estação de rádio e de um parque de diversões.

A poucos metros de lá, o consórcio digital Mycon anunciava em um painel de LED no interior de outro imóvel, onde a empresa planeja instalar uma filial. A propaganda podia ser facilmente avistada do outro lado da rua.

O descumprimento à lei também foi observado em outros pontos da cidade. Na avenida Paulista, por exemplo, um restaurante da rede McDonald's tinha publicidade em dois telões posicionados em sua fachada. Já na Washington Luís, três painéis exibiam preços e promoções de uma loja de bebidas, desrespeitando as normas que definem as dimensões máximas desse tipo de anúncio.

A regra atual determina que os anúncios nessa plataforma devem ser posicionados obrigatoriamente na área interna do estabelecimento. O tamanho máximo da tela varia conforme o recuo em relação à abertura ou vitrine, ou seja, quanto mais para dentro do estabelecimento, maior pode ser o anúncio. Se forem posicionados com até 2 m de recuo, a área máxima desses painéis é de 1,5 m². O tamanho aumenta em 1m² para cada metro adicional de afastamento. A Lei Cidade Limpa prevê multas a partir de R$ 10 mil.

Para urbanistas consultados pela reportagem, a Lei Cidade Limpa deveria ser fiscalizada com mais rigor pela prefeitura. "É uma lei que é aprovada pela população e ganhou prêmios internacionais, mas ao longo das gestões foi perdendo espaço e deixando de ser aplicada. Sem fiscalização, comerciantes e proprietários não têm rigor na hora de instalar esses painéis", avalia o consultor em política urbana Gabriel Rostey.

Ele ainda cita as avenidas Brigadeiro Luís Antônio e Domingos de Morais como locais onde observou crescimento da publicidade irregular nos últimos anos. "Quando a lei foi implementada, ela começou a revelar fachadas que antes ficavam escondidas. Agora, o que acontece é que aos poucos elas estão sendo escondidas novamente", afirma.

Segundo o urbanista Valter Caldana, professor da Universidade Mackenzie, a lei foi bem incorporada pela sociedade e tem cumprido seu papel básico, mas as transgressões têm se tornado mais comuns. "Essa cultura de buscar brechas na legislação urbana precisa ser superada. A gente vê isso com relação à Lei Cidade Limpa, mas também ao zoneamento, ao Plano Diretor, ao Código de Obras e a outras regras", disse.

Desde o início da gestão Ricardo Nunes (MDB), o número de autuações por descumprimento à norma tem ficado abaixo da média quando comparado com anos anteriores. Em 2022, por exemplo, foram aplicadas 236 multas, no valor de R$ 3,7 milhões. Isso representa queda de 78% em relação ao volume de infrações de 2018, quando fiscais aplicaram 1.080 multas por publicidade irregular, no valor total de R$ 17,4 milhões.

A queda na aplicação de multas pode ser explicada pelo efetivo reduzido de fiscais em atuação na cidade. Atualmente, 289 agentes são responsáveis por observar o cumprimento de 834 normas do município, como o Código de Edificações, o comércio ambulante e a lei do Psiu. A lei que criou o cargo, em 1987, previa quadro de 1.200 profissionais. Atualmente, a prefeitura tem concurso aberto para contratação de 175 fiscais de posturas.

"Como tem pouca gente, cada subprefeitura acaba tendo sua prioridade. A gente não tem condições hoje de fazer a fiscalização preventiva [da Lei Cidade Limpa], então atendemos conforme chega a demanda, geralmente pela Ouvidoria", explica Mário Roberto Fortunato, presidente do Savim (Sindicato dos Fiscais de Posturas Municipais e Agentes Vistores do Município de São Paulo).

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Loja de bebidas na avenida Washington Luís descumpre a Lei Cidade Limpa. No primeiro andar, telões de LED excedem tamanho máximo; já no pavimento térreo, propagandas de cerveja desrespeitam recuo mínimo de 1 metro em relação à vitrine. Posicionados perto da calçada, cartazes de promoções também são infração à lei - Zanone Fraissat/Folhapress

Procurada, a prefeitura afirmou que no período de pandemia as ações de fiscalização tiveram ênfase no controle sanitário, justificando a menor atenção dada à Lei Cidade Limpa. A gestão Nunes também atribuiu o menor volume de autuações a uma lei de agosto de 2022, que estabeleceu notificação orientativa antes da aplicação de multa.

"Essa é uma medida de sucesso e, na maioria dos casos, o agente causador da infração é sanado", disse a Secretaria Municipal das Subprefeituras por meio de nota. A regra, porém, só é válida no caso de anúncios indicativos —placas indicando nome e entrada de comércios, por exemplo. A veiculação de propaganda, por sua vez, continua passível de multa a partir de R$ 10 mil.

Questionado, o McDonald's não esclareceu se possui alguma licença especial para uso de painéis de LED no exterior do restaurante nem disse se vai corrigir a inadequação. A administração da loja All Bebidas, que expunha publicidade na Washington Luís, por sua vez, disse que não tinha conhecimento das normas da Cidade Limpa e que fará os ajustes necessários para se adequar à lei.

Já o consórcio Mycon disse em nota que, "caso seja identificada alguma irregularidade no painel, que se encontra em estrutura com recuo interno, serão tomadas as providências cabíveis". A reportagem não conseguiu contato com o proprietário do outro imóvel com propagandas irregulares na avenida Washington Luís.

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