Descrição de chapéu Obituário Anicide de Toledo (1933 - 2023)

Mortes: A mestra dos mestres do batuque de umbigada

Anicide de Toledo foi a primeira voz feminina da caiumba, gênero musical que era dominado por homens

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Morreu em Capivari (SP), no último dia 6 de julho, Anicide de Toledo, a mestra dos mestres do batuque de umbigada. Anicide completaria 90 anos no próximo dia 6 de setembro, mas preferiu partir em companhia do dramaturgo José Celso Martinez Corrêa.

Segundo especialistas das tradições culturais brasileiras, dona Anicide de Toledo foi a mais importante das vozes da caiumba, o gênero musical mais conhecido como batuque de umbigada. Segundo o etnomusicólogo Paulo Dias, a caiumba está presente em todo o Oeste paulista e ainda muito viva na grande região de Tietê e Piracicaba, onde se encontra a cidade natal dessa dama do batuque brasileiro.

Estudioso e fundador da Associação Cultural Cachuera!, em São Paulo, Paulo Dias explica que essa celebração musical negra é uma tradição definida por suas crônicas cantadas, acompanhadas por uma dança sincopada pelo toque de tambores —o tambu é o tambor principal. O nome "umbigada" vem da dança coreografada por homens e mulheres dispostos em duas fileiras opostas, que, ao se encontrarem, dançando, finalizam uma série gestual com uma umbigada. E até Anicide de Toledo se impor como a grande voz dessa tradição, o privilégio de puxar as modas era dos homens, cabendo às mulheres apenas entoar os coros, além de dançar.

Anicide de Toledo (1933 - 2023)
Anicide de Toledo (1933 - 2023) - Paulo Dias

A grande revolução realizada por Anicide de Toledo no meio batuqueiro de Capivari, Rafard, Tietê e Piracicaba não foi, portanto, simplesmente pelas letras de suas modas, que descreveram com acuidade o sofrimento social e a resistência da negritude desse lugar. Mas foi por ter sido ela a primeira voz feminina da caiumba, quando ainda era interdito às mulheres essa função. Reservada, a mulher de poucas falas exprimia a dor de uma vida interior muito rica "por uma voz potente, de afinação muito bonita e de timbre inconfundível", resume Dias.

A grande dama se apresentou nos palcos interioranos e também da capital paulista trazendo a temática dos relacionamentos amorosos. O repertório de composições próprias, que falava do racismo e da exclusão, incluía letras de terceiros. Anicide não deixou de valorizar outras mulheres, como foi o caso da mestra do tambu, dona Mariinha, de Piracicaba, com quem gostava de formar dupla.

Apesar do brilhantismo na fase adulta da vida, as agruras sofridas pela ex-gari não foram exceção dentro da comunidade de batuqueiros de outros tempos. A começar pela mãe, uma cortadora de cana. A labuta no eito canavieiro foi o sustento de muitos dos integrantes da comunidade do batuque de umbigada nessas cidades, sendo a maioria deles composta de trabalhadores braçais, incluindo-se os que ganhavam a vida na estiva ferroviária e nos serviços de água e esgoto; as mulheres trabalham como domésticas nas casas dos fazendeiros e chefes políticos.

Para Paulo Dias, dona Anicide morreu no campo de batalha, cantando até o final da vida, como ela mesma previu. A cantora, guerreira e rainha da tradição da umbigada, conseguiu finalizar a gravação de um último CD, ainda inédito, nos seus últimos 15 dias de vida. Com produção musical de Julio Fejuca, o disco é uma iniciativa da Diadorim Cultura Popular.

Anicide de Toledo deixa um filho e um neto, além de muitas sobrinhas e sobrinhos.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

Veja os anúncios de mortes

Veja os anúncios de missa

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.